Se liga: Body positive NÃO é Ativismo Gordo!

Por Malu Jimenez

Essa semana na internet tenho lido de pessoas gordas, questionamentos e observações do que é ou não ativismo gordo, qual ativismo é válido e qual é só comercial. Resumindo, uma confusão generalizada sobre o que é influencers, body positives, ativistas gordas, pesquisadoras ativistas…

Sempre que o universo gordo virtual entra em convulsão ao contrário da maioria das pessoas que sentem muito, eu gosto muito porque existe uma explosão de pensamentos e opiniões na internet que eu consigo ver claramente o que nós gordes estamos entendendo por ativismo gordo e tudo que está ou não ligado a essa luta.

E essa semana ficou bem claro que está faltando ler, pesquisar, buscar informações sobre temas que defendemos, é fundamental em qualquer ativismo, imagina então, no ativismo gordo que está engatinhando aqui no Brasil?

Quando se defende uma luta é preciso saber sobre o que se está falando, e assumir seu ativismo e não de outras pessoas. Falar de autoestima, lacração rende grana, patrocinadores e a galera em geral quer isso, e também não vejo nenhum problema nisso, já que influencer é um trabalho como qualquer outro, se vende uma força de trabalho.

Proponho então, tentar entender o que é cada coisa, ou pelo menos refletir sobre esses conceitos. O que é um influencer, o que ele faz? Influencers influenciam outras pessoas a comprarem o que ele fala, veste, usa, pensa como verdades absolutas, mas por trás dele existem marcas/ideias que pagam para ele pensar, fazer, usar o que elas vendem, entende?

\"\"

 Segundo uma pesquisa apresentada no INTERCOM – Sociedade Brasileira   de            Estudos Interdisciplinares da        Comunicação em 2017, por Fernanda de Faria Medeiros, doutora em Comunicação Social pela UFMG e Paulo Henrique Basílio Santana, graduando do Curso de Comunicação Social: Publicidade e Propaganda da PUC/MG, chama a atenção da importância em “pensar que a explosão de influenciadores digitais, blogueiros e youtubers nasce de um contexto oportuno, em que a mídia, cada vez mais presente no cotidiano das pessoas, difunde a ideia da fama como uma possibilidade real para a conquista da prosperidade.” Ou seja, se você segue um influencer, mesmo que ele milite por alguma causa, saiba que por trás de seu discurso existem marcas/ideias que irão se aproveitar do nicho de seguidores daquele influencer, e o influenciador digital busca seguidores, reconhecimento e fama.

É assim que funciona, e isso não tem nada haver com você escolher A ou B para seguir, siga quem você quiser, ninguém tem nada haver com isso, é uma escolha de consumir isso ou aquilo na internet, é pessoal. Mas, também não se engane, já que nossas escolhas são manipuladas socialmente, mas isso já é outra história, mas faz parte da discussão.

A Izabela Domingues e Ana Paula de Miranda, doutoras e pesquisadoras do consumo, moda, tendências, comunicação escreveram um livro muito bom que se chama Consumo de Ativismo, indispensável para quem se reconhece como ativista, que explica “Consumir não se separa da cultura; está intrinsecamente associado aos processos sociais; há valores, significados e discursos implícitos e/ou explícitos de poder, seleção, classificação e organização nos mais distintos contextos sociais. Enfim, o consumo é um código que “traduz” muitas relações sociais e classifica objetos e pessoas, produtos e serviços, indivíduos e sociedades.”

Voltando a nossa discussão sobre o que é o que. Na minha tese de doutorado, me debruço sobre essa questão e o que pude observar é que existem muitas mulheres gordas procurando mudar suas questões e sofrimentos sobre seu próprio corpo,  mas a condição estrutural e institucionalizada da gordofobia está tão enraizada em nossa cultura que esse processo leva um tempo, e cada mulher passa por diversas fases e enfrentamentos para se denominarem ativistas gordas ou entrarem numa luta.

Não existe um manual para ser ativista, é uma construção pessoal e você deve construir o seu ativismo, naquilo que acredita e não no que outras pessoas dizem para você ser, fazer ou seguir, digo isso, porque é perigoso seguir e não sentir.

Sobre esse processo de descoberta, conhecimento e enfrentamentos, e digo em primeira pessoa, porque minhas redes de pesquisadora ativita,-“militância”- começaram com o nome “Gorda Linda” e, depois de um ano, percebi que a beleza não era mais uma questão de luta no meu ativismo, já que essa fase tinha sido ultrapassada, e questões como patologização e acessibilidade começaram a ser mais importantes no meu ativismo.

Talvez, por isso, o movimento body positive se confunda muitas vezes com o ativismo gordo; mesmo não sendo a mesma coisa, promovem um autoconhecimento de seu próprio corpo como valorização de sua história, muitos depoimentos passam por essa discussão, e também, convenhamos é muito mais cult dizer sou body positive, do que sou ativista GORDA, não é fácil e leva muito tempo para uma pessoa que entendeu a vida toda,  gorda é sinônimo de coisas horríveis, agora se autodenominar assim, leva tempo e muito conhecimento do tema.

O ativismo gordo vai além da aceitação do próprio corpo, visto que a proposta é do empoderamento através do conhecimento para uma luta de despatologização e acessibilidade do corpo gordo na sociedade contemporânea. Destruir a estigmatização estrutural é necessária e só se faz isso quando levamos a discussão para o entendimento epistemológico de um saber colonial patriarcal que padronizou o corpo magro como o único possível.

Segundo a pesquisa da Carolina Duó Souza, […] o movimento Body Positive (Positividade Corporal) nasce nos Estados Unidos da América, no final da década de 1990, com a iniciativa de duas mulheres: Connie Sobczak e Elizabeth Scott; elas fundaram o instituto The Body Positive, movidas pela paixão compartilhada de criar uma comunidade viva e curativa que oferecesse liberdade de mensagens sociais em contraposição àquelas sufocantes que mantêm as pessoas em uma luta perpétua com seus corpos.

Já o nascimento do Ativismo Gordo nasce no final dos anos 70 e princípio dos 80, vinculado a feministas e o movimento hippie nos Estados Unidos, conhecido como Fat Underground com a morte de uma mulher gorda famosa, cantora Cass Elliot que foi negligenciada pelos médicos por estar gorda, ocasionando sua morte. (DEAN, BUSS, 1975.

Esse movimento, ativismo gordo impulsiona pesquisadores ativistas que começam a propor outro olhar no debate sobre os corpos gordos, estudos sobre a gordura nos Estados Unidos, os “fat studies”, pioneiros nesse debate, os quais procuram entender corpos gordos além da patologização que acaba estigmatizando a pessoa gorda.

Como algumas pesquisas mostram, o discurso médico que naturaliza todo corpo gordo como doente acaba favorecendo um mercado milionário da beleza, alimentação, farmacêutica, cirurgias, etc. A proposta é que essa discussão sobre a patologização do corpo gordo também seja analisada de um ponto de vista sociocultural, com reflexões críticas sobre como a comunidade médica vem reforçando a estigmatização desse corpo e, assim, não contribuindo o suficiente para entender efetivamente qual é o significado dele na sociedade contemporânea. (FISCHLER,1995); (MURRAY, 2009); (FIGUEIROA, 2014); (LIPOVETSKY, 2016); (POULAIN, 2013); (SANT’ANNA,1995); (MATTOS, 2012).

A confusão existe, mas definitivamente não são as mesmas lutas. O body positive foca em todos os corpos e na quebra do padrão único de beleza e as ações estão muito ligadas a moda, autoestima, belezas diversas, etc.

Já o ativismo gordo está focado em contrapor a estigmatização dos corpos gordos socialmente, na despatologização desses corpos e na acessibilidade quase inexistente por causa da gordofobia.

Assim o ativismo é uma construção, que nunca termina e sempre está em transformação, e nessa discussão também vai aparecer a discussão sobre o feminismo gordo, muitas militantes contam que, dentro do feminismo, essa temática é invisibilizada, e que muitas delas, como eu, sofreram por não poderem levantar essa bandeira dentro das pautas de coletivos em diversos lugares e momentos do feminismo. Contudo, o ativismo gordo luta dentro do feminismo para ocupar e validar essa luta, mas infelizmente existem feminismos, e em sua maioria, não percebem a importância dessa discussão dentro deles.

Espero, sinceramente ter esclarecido alguns pontos para quem se interessou em ler, seja provocado a conhecer um pouco mais sobre as diferenças entre body positive e ativismo gordo, fazendo assim que você se desvende em qual situação quer se identificar, ou não.

Para Consultar:

DEAN, Marge. e BUSS, Shirl. Fat Underground , 1975. Disponível em: <https://youtu.be/UPYRZCXjoRo.>.  Acesso em 16 jul. 2016.

DOMINGUES, Izabela; MIRANDA, Ana Paula de. Consumo de Ativismo. Barueri, SP: Estação das Letras e Cores, 2018.

MEDEIROS, Faria, Fernanda; SANTANA, Basilio, H., Paulo. A performance do comediante nordestino e a imagem de Whindersson Nunes. O youtuber visto como celebridade ordinária. INTERCOM – Sociedade  Brasileira       de Estudos Interdisciplinares       da Comunicação, 2017. Disponível em: http://portalintercom.org.br/anais/nacional2017/resumos/R12-0988-1.pdf. Acesso em 07 dez. 2019.

SOUZA, Carolina Duó. BODY POSITIVE – ESTUDO DE CASO NAS MÍDIAS DIGITAIS. 2019. 42 f. Monografia (Especialização em Estética e Gestão da Moda) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo – USP, São Paulo, 2019.

Obs. Esse texto foi publicado no TODAS FRIDAS em 2020.

Esta gostando do conteúdo? Compartilhe!

Poder transformar aquilo que te faz mal em algo criativo vem ao encontro de um trabalho do feminismo de aceitação e entendimento do próprio corpo, de muitas maneiras e buscas. Entender que as pessoas que te reprovam e não te aceitam são as que precisam de ajuda, pois se incomodam com algo e não sabem bem o porquê. “

Ultimos posts:

Este livro é resultado de sua pesquisa que teve origem em sua tese de doutorado, a qual propõe análises teóricas para investigar a estigmatização institucionalizada sob a qual os corpos gordos são colocados. Lute como uma gorda está disponível para venda e comprando por aqui você recebe uma dedicatória especial da autora