GORDOFOBIA NA ESCOLA: LUTE COMO UMA GORDINHA!

Ontem uma mãe gorda de gêmeas me mandou um e-mail contando com muita dor, sofrimento, e sem saber o que fazer, numa situação de gordofobia aos corpos gordos de suas filhas de 4 anos na escola.

“Preciso de ajuda! Minhas filhas chegam da escola tristes, chorando e não querem conversar sobre o que aconteceu, isso já está acontecendo a algumas semanas, mas ontem a Bia me disse: – mamãe a gente precisa fazer regime, comer menos, emagrecer. Já vinha notando a dificuldade delas na hora de comer, antes da escola comiam bem, hoje é um momento tenso, ruim. Não sei o que fazer, fui na escola e a coordenadora me disse que não aconteceu nada na escola, mas que eu deveria começar um regime, emagrecer e dar o exemplo para minhas filhas de como se cuidar. Eu sou mãe solo, cuido dessas meninas, da casa, e de tudo mais sozinha, sou trabalhadora, feminista, mas nunca imaginei que ia estar passando por isso com minhas filhas com 4 anos, você pode me ajudar?” (ANA, 36 anos).

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Esse não foi o primeiro, e nem será o último depoimento de mães assustadas com a gordofobia que seus filhos sofrem na escola, tenho ouvido com uma certa frequência histórias de dor e sofrimento com meninas cada vez menores.

A discriminação e exclusão pelas diferenças sempre existiu dentro das Instituições de Ensino, contudo têm emergido de forma nunca antes visto, com meninas na primeira infância, uma intolerância ao corpo gordo e têm tomado proporções devastadoras na formação dessas crianças, quanto se exige desde muito cedo, um corpo que não se tem: o corpo magro.

Por essa e outras questões de importância comum, entre pesquisadores, professores e instituições educacionais levantar a discussão sobre a estigmatização dos corpos gordos dentro dos espaços educacionais se faz urgente, necessário e efetivo.

Sabemos que esta estigmatização é estrutural e cultural, transmitida em muitos e diversos espaços e contextos sociais na sociedade contemporânea. Esse prejulgamento acontece com a desvalorização, humilhação, inferiorização, ofensas e restrições aos corpos gordos de modo geral.

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Provocar a reflexão sobre a estigmatização com os corpos gordos pelo corpo docente e comunidade escolar, se propõe focar o entendimento que um lugar que as mães entendem como seguro: a escola, não tem cumprido com esse papel da tolerância e respeito aos direitos humanos, já que se está naturalizando um tratamento estigmatizador desde a infância com crianças, tendo continuidade na adolescência e fase adulta com pessoas gordas.

Desde criança, aprendemos em casa com a família e depois nas escolas que o corpo belo e saudável, é o corpo magro. Infelizmente, o corpo gordo nas Instituições de Ensino seguem a Gordofobia estrutural e, portanto repete a exclusão e estigmatiza a criança/adolescente/adulto gordo, causando fobias, medos, traumas, bulliyng e suicídios. Os profissionais da educação repetem a estigmatização, e de maneira geral não sabem lidar com o preconceito, culpando na maioria das vezes a própria vítima.

A estigmatização e exclusão do corpo gordo na escola está presente desde cedo, porque a escola não tem cumprido o seu papel de transgressão do pensamento hegemônico, parece que esse papel fica na responsabilidade da educação superior, já que se “acredita” que pensamento crítico e discussão sobre respeito a diversidade, direitos humanos é coisa de “comunista” e de humanas.

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Não estamos preparados para uma educação inclusiva, mas não assumimos esse despreparo, se fala de uma escola inclusiva, mas não se inclui. Infelizmente, essa é a realidade brasileira, e quem sabe, mundial.

Basta olharmos para a falta de acessibilidade nesses espaços, os uniformes, cadeiras, banheiros, escadas. Se faz uma encenação de escola inclusiva, mas na verdade estamos cada vez mais cruéis com a diferença; e a violência dentro das escolas mostra isso.

Quais são as formações dessas professoras e professores desde o ensino infantil sobre corpos dissidentes, diversidade e exclusão social? Me parece inexistente. Todos sabemos dessa situação, basta dar uma volta na sala dos professores que vemos e ouvimos o despreparo de muitos deles no quesito do acolhimento.

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Talvez, o resultado da última eleição nos mostre o que estamos construindo, uma sociedade extremamente cruel, ignorante e algoz. Assim, não é de assustar que crianças de 3, 4 anos de idade já pensem em regime, exercícios, emagrecer e sofram com toda essa imposição que começa a emergir substancialmente na formação de seres humanos, no espaço central dessa construção que é o lugar de ensino, o que está acontecendo dentro dessas escolas?

O resultado de uma formação baseada no preconceito e exclusão ao diferente, nos mostra que a gordofobia está na escola, como a escola está para a gordofobia.

Vemos uma crescente preocupação com alimentação saudável, sedentarismo, e todo esse mercado do emagrecimento impulsionando nossas crianças em obcecados pela magreza, mas nunca se vê projetos e trabalhos voltados a corpos que não são os normatizados, não vejo palestras sobre gordofobia, muito menos a temática na formação dos professores que estão contaminados por essa maneira de estar no mundo: MAGRA.

Quero usar este texto para chamar a atenção de todes os envolvidos em educação, infantil, fundamental, médio e superior, na formação de professores e seja lá quem você for para uma formação menos gordofóbica, provocando essa discussão, pesquisando, lendo, indo a uma palestra, roda de conversa sobre a temática.

Se essa pauta não for levantada a tempo para discussão e transformação dentro do espaço educacional, veremos nossas crianças, adolescentes e adultos se suicidando com muito mais frequência que a mídia tem nos mostrado.

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 Vejam o caso que foi muito comentado em 2017, mas logo entrou no esquecimento, da adolescente Dielly Santos de 17 anos, que se suicidou na escola em que estudava, em Icoaraci, no Pará. A estudante foi encontrada morta no banheiro. “Enforcamento”, apontam os laudos policiais. De acordo com a família da jovem, Dielly era vítima de gordofobia, e constantemente chamada de “lixo” e “porca imunda” pelos colegas, que gargalhavam após proferir tais ofensas.

O caso é tão sério, que mesmo depois da morte dessa menina, os comentários que seguiam a notícia eram para no mínimo acontecer uma intervenção educacional dentro das escolas, discursos de ódio imanente bate as nossas vidas e o Estado que tem como proposta única nos proteger, colabora com ele.

Proponho que repensemos o papel da educação a partir da igualdade que Paulo Freire levanta em seus estudos, quando aponta em sua obra Pedagogia da Autonomia que “ninguém é superior a ninguém”. Essa afirmação surge de um contexto quanto é importante na relação educadores e educandos estarem numa relação de igualdade, e que todos estejam atentos ao que o outro pensa e sente, uma escuta atenta ao outro.

Para o filósofo “aceitar e respeitar a diferença” é uma condição essencial para o respeito da diversidade, entender e respeitar o outro corpo que não é magro também se faz nesse exercício de respeito. Como ninguém é superior a ninguém, nenhum corpo também se faz superior a outro, pelo outro corpo não ser como se acha que deve estar.

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Assim, a igualdade de todos os corpos dentro da escola, se faz uma parte da prática educacional como condição política e condicional para que essa diversidade de corpos sejam enriquecedoras e não aniquiladoras, e essa condição é um direito garantido constitucionalmente.

Dessa maneira, espero que você leitor ou leitora se atente a questão dos corpos diversos e exija o respeito a eles, seja você educador, aluno, família, comunidade, ser espeitado com nossas diferenças é um direito e ninguém pode nos tirar isso. Existimos e resistimos!

Proponha em seu espaço debates sobre a gordofobia é de importância emancipadora para nossa sociedade do ódio e exclusão imanente.

PARA CONSULTAR:

– FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2017.

– JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Gordofobia: uma questão de perda de direitos, 2018. (Blog/Facebook). Disponível em: http://www.todasfridas.com.br/2018/03/11/gordofobia-uma-questao-de-perdaa-de-direitos/

-JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Gordofobia Médica: A reprodução do Estigma Social, 2018. (Blog/Facebook). Disponível em:  http://www.todasfridas.com.br/2018/07/23/gordofobia-medica-a-reproducao-do-estigma-social/

– HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade, 2017.

Obs: Esse texto foi publicado em 2019.

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Poder transformar aquilo que te faz mal em algo criativo vem ao encontro de um trabalho do feminismo de aceitação e entendimento do próprio corpo, de muitas maneiras e buscas. Entender que as pessoas que te reprovam e não te aceitam são as que precisam de ajuda, pois se incomodam com algo e não sabem bem o porquê. “

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Este livro é resultado de sua pesquisa que teve origem em sua tese de doutorado, a qual propõe análises teóricas para investigar a estigmatização institucionalizada sob a qual os corpos gordos são colocados. Lute como uma gorda está disponível para venda e comprando por aqui você recebe uma dedicatória especial da autora