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Pelo Direito a Não querer emagrecer e Ser GORDA!

RESPEITO AOS CORPOS DIFERENTES!

Ser GORDA em nossa sociedade tem sido cada vez mais uma luta por direito de existir, se aceitar Gorda. Acaba-se levantando uma bandeira pelo existir do jeito que se é. Se você é GORDA e está fazendo regime, malhando e sofrendo muito, tudo bem, isso pode, mas ser GORDA e não querer fazer regime, nem emagrecer isso é abominável no mundo atual.

Em nome de TODAS AS GORDAS NO MUNDO que não querem mais entrar nessa cilada escrevo este texto.

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Existem legiões da magreza do corpo que irão humilhar perseguir, excluir até que você queira “tomar uma medida”, geralmente em nome da saúde pessoas passam fome, machucam ou mutilam seus corpos para satisfazer e serem aceitas no grupo social, acredita-se que auto estima vem de fora, e querida acredite isso é uma cilada e você vai entrar em colapso, porque autoestima de fora pra dentro é mentirosa, não são as pessoas que devem gostar de você, muito pelo contrário é você que deve se olhar no espelho se ver fora do padrão e estar tudo bem, porque seu corpo tem história, é o único que você tem e ele merece respeito.

Essa legião de caçadores aos corpos gordos é extensa e nefasta, geralmente começa na família, e desde pequena se é ensinado que para sermos amadas devemos ter o corpo magro, custe o que custar, depois na adolescência se exige um padrão maluco de corpo e alma e continua valendo tudo para se encaixar: tomar remédios, malhação, jejum, vomitar, seja o que for. Na vida adulta é onde as paranóias de uma vida toda, focada em ser magra se caracterizam em depressão, dor, tristeza, chegando a acreditar que vale a pena qualquer coisa para emagrecer e que depois dessa conquista seus problemas acabarão, SQN apenas começarão.

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Pensando nessa condição, na qual temos que fazer regime e estar magra, cobrança essa justificada pela saúde, para casar, arrumar namorado, entrar nas calças apertadas, usar biquíni na praia, caber numa cadeira, entre outros milhões…

Somos massacradas por essa ideia desde que nascemos, já que geralmente nossas mães, logo que nascemos querem emagrecer e voltar ao corpo que tinham antes de nosso nascimento, nem chegamos ao mundo e o ser que a gente mais depende já está preocupado em emagrecer, que sentimento é esse que nos é passado desde que damos a nossa primeira mamada: alívio pelo parto, amor pelo filho, mas muita insegurança pelo corpo que mudou, inchou e cresceu.

O que é fato, “natural”, trata-se como abominação, cada vez mais frequente vermos gestantes em academias, dietas, inúmeras matérias, dicas e produtos de como ser uma grávida saudável e fitness, perfis no istagram bombam o passo a passo de mulheres gestantes pegando pesado na malhação.

O pavor de engordar na gestação leva muitas mulheres a fazerem qualquer coisa, qualquer coisa mesmo, e sempre disfarçada pela preocupação à saúde, sustentado pelo discurso saudável para não engordar nem na gravidez.

O entendimento midiático normatizado de saudável pelo discurso médico, não considera a subjetividade, as histórias de vida, os afetos, as relações familiares, ou seja as dimensões culturais locais, nota-se que no cenário econômico/político mundial a busca pelo corpo saudável caminha na contramão do que pode se considerar saúde.

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O filósofo médico francês Georges Canguilhem em 1982 escreveu o livro questionando a concepção de O normal e o patológico, para o autor existe um modelo reducionista, mecanicista e generalizador da Biomedicina que deve ser questionado. Os conceitos de doença e normalidade, patologia e anormalidade devem estar ligados entre o organismo e seu ambiente, essa análise deve ser marcada por construções e valores sociais. Assim que, o saudável, o normal não pode ser definido através de uma média aritmética, ou uma conta como o IMC (Índice de Massa Corporal), muito menos de um tipo ideal, padrão na maioria das análises que existem na área da saúde.

Dessa maneira, Canguilhem explica que o adoecimento não é um fenômeno puramente objetivo e biológico, já que o que acaba sendo considerado normal ou patológico está carregado por uma imensa carga de subjetividade. Resumindo, para o médico filósofo o conceito de saúde deve ter uma dimensão muito mais ampla do que das classificações por cálculos e/ou generalizações preconceituosas.

Outro filósofo que questiona essa concepção do doente e saudável no discurso médico é Michel Foucault (1962-1984) quando em sua obra “O nascimento da clínica” sobre a constituição dos saberes da Medicina, para o autor acaba acontecendo uma substituição sobre a forma de entender, ou olhar a “arte de curar” por uma focalização na doença do corpo. Acaba acontecendo um afastamento do entendimento sensível, da subjetividade, dos seus afetos, histórias e seu processo de adoecimento por uma valorização de um modelo de identificação geral, localizado e classificatório por cada doença. Para o autor, o que existe no Mundo ocidente é a medicina da doença e do doente.

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Naomi Wolf explica em seu livro “O Mito da Beleza” é como uma religião, estamos obcecadas e acreditamos fielmente que o corpo magro deve ser conquistado a qualquer custo.

A autora explica no capítulo A Religião, que “A cultura moderna reprime o apetite oral da mulher da mesma forma que a cultura vitoriana, através dos médicos, reprimia o apetite sexual feminino (…). O estado de sua gordura, como no passado o estado de seu hímen, é uma preocupação da comunidade. “Oremos por nossa irmã” se transformou em “Nós todos vamos incentivá-la a perder esse excesso de peso.”

Acaba faltando um questionamento sobre que rumo estamos tomando nessa questão de camuflar obsessão e preconceito com corpos que não estejam no PADRÃO SAUDÁVEL por preocupação com a saúde de corpos que cansaram de seguir esse discurso que causa dor e incompreensão.

 Já que estar feliz com o próprio corpo, entender que ninguém é igual a ninguém e que corpo não existe só um tipo: o magro, saúde não tem necessariamente haver com um corpo magro e malhado que passa na TV, aliás, muito pelo contrário, o corpo nesse sentido é vendido igual um carro, objeto, mercadoria.

Estar bem consigo mesmo é o princípio de estar saudável. Assim que venho nesse texto propor a reflexão que as pessoas podem estar GORDAS e não quererem emagrecer por inúmeros motivos: já tentou milhões de vezes e não conseguiu ou porque gosta de si como é, porque tem saúde e, principalmente por que precisa escolher entre ser feliz com o que se é, ou já se sentiu infeliz buscando produzir um corpo quase impossível para ser aprovada socialmente.

Exatamente isso ou talvez não, porque simplesmente não quer fazer regime, se sente bem com o corpo que tem, ou tem preguiça de seguir esses padrões da moda. Isso nem interessa muito, acho que o mais desumano nisso tudo é a imposição que se faz com os corpos diferentes.

E repetir essa imposição aos outros que não tem um corpo magro é preconceito e tem nome. A gordofobia mata, humilha, e está nas pequenas insinuações, gestos e situações que muitas vezes repetimos sem perceber. Falar pra alguém da família no Natal não comer tanto, ou para a amiga que tem um rosto lindo, ou que carboidrato é do mal na frente da amiga comendo um lanche, me parece que não cabe num mundo que grita por liberdade e diversidade. Cuidar do corpo alheio é tão prejudicial quanto empurrar uma velhinha da escada.

Porque é isso que se faz quando se é gordofóbico e não aceita o corpo GORDA, empurrar essa pessoa ao estigma de exclusão, vexamento e tristeza que muitos passam e/ou já passaram. Isso é crueldade! E que fique claro, que ninguém pode se sentir superior ao outro porque tem um corpo mais magro, malhado ou sei lá por que.

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Existe a necessidade de dar um basta nessa caça as gorduras em nossa sociedade, é repetir uma imposição comercial que gera lucros milionários a empresas que a maioria das pessoas nem sabem que existem.

Não podemos ser ingênuas e consetir com essa maneira de entender os corpos no mundo, repetindo estigmas e colocando pessoas a beira de suicídios e vidas de tristeza e medo. Não dá mais!

Tente começar por você e seja solidário ao diferente ao seu lado, cuide que esse corpo diferente seja acolhido e amado como todos os outros… Mude o seu entorno e estará mudando muitas vidas… Quando ver uma pessoa GORDA não cabendo numa cadeira ou banco, roupa não ria disso, pois não é engraçado, ajude com um olhar, ou mesmo mande um pensamento de apoio.

A gordura ainda é vista no meio de pessoas que se consideram “críticas socialmente” como algo repugnante, luta contra racismo e homofobia, machismo, mas dá risada de GORDA na rua em espaços públicos. PARE! Não é legal.

Pense em você e em seu corpo, pense na dificuldade que é se amar mesmo sendo magra, imagine o outro que não é. Tenha sororidade e ajude aos corpos dissidentes periféricos e suas lutas em existir, porque é isso que uma mulher GORDA faz quando não quer emagrecer, fazer uma bariátrica ou começar mais um regime da moda: EXISTIR.

Quando falamos de Resistência e ninguém solta a mão de ninguém, é exatamente disso que estamos falando, desses corpos que são excluídos e mal tratados pelo simples fato de não se encaixar naquilo que vende.

Para Consultar

BUSS, Paulo Marchiori. Promoção da Saúde e qualidade de vida. Ciênc. saúde coletiva, v. 5, n. 1, p.163-177. 2000.

CANGUILHEM, Georges. O normal e o patológico. 4ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982.

FOUCAULT, Michel. O nascimento da clínica. Rio de Janeiro: Forense; 2004.

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa; ABONIZIO, Juliana. 2017. Gordofobia e Ativismo gordo: o corpo feminino que rompe padrões e transforma-se em acontecimento. XXXI Congreso ALAS Asociación Latino América de Sociología, Género, Feminismos y sus aportes a las Ciencias Sociales. Movimientos sociales, acciones colectivas y participación políticas.

LAZZARATO, Maurizio. 2006. As revoluções do capitalismo: A política no império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.

WOLF, Naomi. O mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

Obs. texto publicado no TODAS FRIDAS em 2019.

É possível um feminismo Gordo?

“Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”. Escolhi esse pensamento de Audre Lord para iniciar nossa reflexão nesse texto sobre a pergunta/título que proponho para pensarmos juntes: É possível um feminismo gordo?

Olhar hoje para o movimento feminista, é entender que existem muitos feminismos, com muitas pautas, realidades e subjetividades distintas. Movimento este, percebido por mim como construção de saber e proposta para um mundo onde as mulheres não sejam inferiores aos homens é, está, ou deveria estar em concordância entre todas nós, porque é de opressão que estamos falando, é de violência de muitas maneiras, mas é de agressões e ódios a todas as mulheres nesse sistema cisheteronormativocolonial que me refiro.

Entendo essa liberdade que Audre Lord nos propõe a pensar como a liberdade dessas opressões violentas sistêmicas. Com certeza que os recortes sociais marcam mais violência, e é exatamente por isso que gosto de pensar em muitos feminismos, no sentido de frentes e pautas. Somos diversas e nossas reinvindicações e lutas também, mesmo quem ainda não se autodenomine feminista, já que a luta pela causa feminina ultrapassa a própria história do movimento, já que se pensarmos nas mulheres que queimaram em fogueiras pela inquisição já eram feministas sem mesmo nomear, o que quero dizer é que existem muitas mulheres e grupos envolvides pela emancipação feminina.

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Existe construção de novos saberes pulsando dentro e fora dos coletivos e mulheres que se autodenominam feministas, existe propostas e lutas que caminham juntas e não separadas. Tenho visto que não é preciso se autodenominar feminista para lutar pela participação de mulheres na política, sobre a autonomia de nossos corpos, contra a violência estrutural a nossas mães, avós, bisavós, filhas, etc. Isso não quer dizer que se autodenominar também não seja político, já que o feminismo é um posicionamento político, de (re)existência.

Renata Aspis explica que (re)existir é um “constante movimento de afirmar a vida que nos está sendo constantemente subtraída. (Re)existir, insistir em existir, conjurar a formação do Estado no pensamento, tornar o pensamento uma máquina de guerra.”

Dessa maneira, volto lá na afirmação de Audre Lorde no começo do texto: “Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”, a gordofobia é violência de gênero, é violência estrutural, as correntes que as mulheres gordas carregam precisam ser levantadas, conhecidas, conversadas entre todas nós.

Posto que mulheres gordas sofrem gordofobia todos os dias, muitas vezes ao dia, como forma de sobrevivência existe uma necessidade de transformar a dor em algo, muitas vezes em mais dor. Contudo vivi e vi muitas experiências em que o sofrimento pode ser ressignificado em textos, lutas, reposicionamentos no mundo, coletivos, livros, eventos, arte, poesia, etc.

Aprendi com o feminismo negro e algumas ativistas gordas que é possível, necessário e revolucionário criar teorias a partir de corpos que são marcados pela dor, humilhação e exclusão, transformando todo ódio e raiva à sociedade em luta e se posicionando no mundo de outra maneira, de modo que viver seja um ato revolucionário.

A partir de nossas experiências, é possível reinventar o jeito de estar no mundo. É um processo demorado e lento, mas existem mulheres como eu, consumindo e fazendo ativismo numa nova proposta de entender seu corpo gordo em sociedade e consigo mesmas, propondo novos saberes sobre nossas corporeidades, sobre ter uma vida com mais respeito e dignidade.

Trazer esse debate como proposta de reflexão que o feminismo gordo já existe e resiste na luta diária de mulheres como eu que sofrem a gordofobia desde suas infâncias e se reinventam todos os dias para sobreviverem a tanta violência contra nossos corpos.

O feminismo gordo existe e submerge de mãos dadas ao feminismo decolonial, da subalternidade, das periferias, dos saberes locais, da subversão do imposto: negras, indígenas, gordas, maricas, trans, sujas, sudakas, defiças, lesbicas, lokas, putas, todas as que estejam a margem do que a sociedade colonial enaltece e constrói como padronização do que é ser “normal”, “bela” e “produtiva”, todo esse conjunto de idealizações que nos subalternam, e classificam modos de vida como superiores e inferiores. Nossos saberes rompem com essa lógica porque são construções de (re)existências para a sobrevivência de forma criativa ao projeto civilizatório de conquista do pensamento, do corpo, dos saberes.

Nosso feminismo enaltece as vozes esquecidas, invisibilizadas que se opuseram aos mandamentos dentro da lógica heteronormativa, que impõem um regime político tecnológico da reprodução de corpos. Em oposição, subvertemos esse raciocínio e recriamos novas propostas de saberes, registros, e outras maneiras de ser e estar no mundo, reivindicando a descolonização de nossos corpos, desejos e saberes. “Eu não sou livre enquanto alguma mulher não o for, mesmo quando as correntes dela forem muito diferentes das minhas”. Audre Lord

Para Consultar:

Gloria Anzalduá. COMO DOMAR UMA LÍNGUA SELVAGEM. Cadernos de Letras da UFF: Dossiê: Difusão da língua portuguesa, [s. l.], n. 39, p. p.297-309, 2009. Disponível em: http://www.campogrande.ms.gov.br/semu/wp-content/uploads/sites/26/2019/10/15-anzaldua%C2%A6%C3%BC_como-domar-uma-lingua-selvagem.pdf

Renata Lima Aspis. Resistências nas sociedades de controle: um ensino de Filosofia e subversões. In: AMORIN, Antonio Carlos; GALLO, Silvio; OLIVEIRA

JR,Wenceslao Machado de Oliveira. (Org.) Conexões: Deleuze e imagem e pensamento e… Petrópolis, RJ: De Petrus; Brasília, DF: CNPQ, 2011. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/pp/v21n1/v21n1a07.pdf

Luciana Maria de Aragão Ballestrin. Feminismos Subalternos. Rev. Estud. Fem. 2017. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/ref/article/view/42560

Audre Lorde. Os usos da raiva: mulheres respondendo ao racismo, 2013. Disponível em: https://www.geledes.org.br/os-usos-da-raiva-mulheres-respondendo-ao-racismo/

María Lugones. Colonialidad y género. In: YALA, Abya. Tejiendo de otro modo: Feminismo, epistemología y apuestas descoloniales. [S. l.]: Editorial Universidad del Cauca, 2014. cap. 1. Debates sobre colonialidad del género y (hetero) patriarcado. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/298427007_Tejiendo_de_otro_modo_Feminismo_epistemologia_y_apuestas_descoloniales_en_Abya_Yala

Maria Luisa Jimenez Jimenez. Mulheres Gordas numa sociedade lipofóbica, merecem a sororidade de todas e todes, 2018. (Blog/Facebook). Disponível em: https://www.todasfridas.com.br/2018/07/02/mulheres-gordas-numa-sociedade-lipofobica-merecem-a-sororidade-de-todas-todos-e-todes/

Maria Luisa Jimenez Jimenez. Mulheres e saberes subalternos: por uma episteme feminina, 2018. (Blog/Facebook). Disponível em: https://www.todasfridas.com.br/2018/06/21/mulheres-e-saberes-subalternos-por-uma-episteme-feminina/

Maria Luisa Jimenez Jimenez. Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos. 2020. Doutorado (Programa de Pós Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO) – Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Cuiabá, MT, Brasil. Disponível em: http://lutecomoumagorda.home.blog/tese-de-doutorado-lute-como-uma-gorda-gordofobias-resistencias-e-ativismos/

Esse texto foi publicado no TODAS FRIDAS em 2020.

Gordofobia, Mercado e Representatividade da Mulher Gorda

O discurso acadêmico-científico que legitima a gordofobia

Lugar comum hoje na mídia discursos sensacionalistas apoiados em sentença acadêmica-científicas mostrarem o corpo gordo como patologia e um problema epidêmico mundial, como aconteceu com a lepra, a AIDS, etc.

Estudos realizados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) mostram que, em todo o mundo, há 2,1 bilhões de pessoas acima do peso, o que representa quase 30% da população. O aumento de pessoas consideradas obesas, pelo cálculo IMC (Índice de Massa Corporal) nas últimas três décadas ocorreu em todas as regiões do mundo, considerado como problema de saúde pública em países ricos e pobres. “A obesidade afeta pessoas de todas as idades e renda”, diz Christopher Murray, diretor do IHME (Institute for Health Metric sand Evaluation). “Nas últimas três décadas, nenhum país teve sucesso na redução de suas taxas. O problema deve crescer nos países pobres, se medidas urgentes não forem tomadas para combater essa crise de saúde pública.” (MURRAY, 2014).

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Outro estudo publicado na revista científica Lancet mostra que um quinto da população brasileira adulta, ou quase 30 milhões de pessoas, é considerada obesa pela OMS (Organização Mundial da Saúde), ou seja um quinto da população brasileira adulta, ou quase 30 milhões de pessoas. O número é maior entre as mulheres: 23% delas, ou 18 milhões, em 2014. Entre os homens, o índice é de 17% (11,9 milhões). (MURRAY, 2014).

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É uma caça aos corpos gordos, a população de modo geral se assusta com tantas noticias que acusa pessoas acima do peso de estarem doentes, e pior, que como epidemia, todos correm o risco de se tornarem como eles: gordos, feios e doentes. Esse discurso apóia o estigma criado com os corpos gordos em nossa sociedade contemporânea.

Esse discurso é tão perigoso que acaba se estendendo para todos os espaços sociais, além da mídia, hospitais e consultas, percebemos com a falta de acesso a esse corpo na sociedade com a falta de cadeiras maiores em espaços públicos e privados, nas escolas, família, indústria alimentar, mercado em geral e claro na moda.

Na contramão desse discurso pautado na saúde, existem pesquisas interdisciplinares em sociologia, antropologia, filosofia, estudos de gênero e ativismo feminista, pesquisadores uniram-se ao debate sobre a gordura, constituindo um campo do saber denominado “fat studies”, estudos sobre a gordura e os corpos gordos.

Esses estudos contemporâneos convertem o olhar sobre os aspectos fisiopatológicos associados à gordura corporal e o entendimento sobre os corpos gordos na sociedade. Criticam duramente o modelo biomédico e sua ineficácia no tratamento da obesidade.

Na contra mão de profissionais da saúde que costumam reforçar o discurso dominante naturalizado de que o excesso de peso deve ser combatido a fim de que doenças crônicas sejam evitadas, para vários autores esse discurso legitimado serve apenas para autenticar o mercado de alimentos, suplementos dietéticos, indústria dos exercícios físicos, produtos de beleza, cirurgias.

Sendo assim, existe uma urgência no aprofundamento para abordagens sócio-culturais sobre o tema, além das pesquisas médicas com visões restritas a contagem de números e propostas de intervenções, conclusões dadas antes mesmo de entender o que significa o corpo gordo na sociedade contemporânea.

Um desses pesquisadores, Jean Pierre Poulain (1956- ) sociólogo francês escreveu um livro “Sociologia da Obesidade” chamando a atenção para essa discussão, ele diz que,

Tentemos mensurar o que está em jogo no estabelecimento de programas de luta contra a obesidade. Apontemos os riscos sanitários, sociais e culturais aos quais está sujeita a medicalização da alimentação cotidiana. A difusão maciça de informações sobre nutrição, na ausência de provas e de argumentação científicas a respeito das relações entre o conhecimento e o comportamento, faz co que muito frequentemente os conhecimentos científicos e as representações morais se permeiem no discurso medicalizador sobre a obesidade e a educação nutricional, sobretudo entre os não especialistas (médicos de cínica geral). A comunidade médica deve estar consciente do papel de “grande estigmatizador” que ela arrisca desempenhar, e perceber as consequencias contraproducentes. (POULAIN, 2013, p. 281-282).

O Mercado Plus-size não representa, mas vende

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Segundo dados do SEBRAE, a Associação Brasileira do Vestuário (Abravest), o mercado plus size cresce 6% anualmente e movimenta cerca de R$ 5 bilhões. Esse percentual corresponde a cerca de 300 lojas físicas e aproximadamente 60 virtuais. A expectativa, segundo a associação, é de um crescimento de pelo menos 10% ao ano, com expectativas de multiplicar essa porcentagem a partir de 2018.

Assim, o segmento representa uma grande fatia da população e uma grande oportunidade de negócio, tal mercado ficou conhecido como mercado plus size.

Plus size é a nomenclatura dada pelos norte-americanos para modelos e tamanhos acima do padrão convencional dos manequins vendidos nas lojas de vestuário nos USA. Em inglês, plus size significa “tamanho-maior”, designando qualquer numeração acima dos 44.

O crescimento da população que está acima do estipulado pelo IMC (índice de massa corporal), que convenciona e difunde o “peso ideal”, despertou o interesse, enquanto potencial nicho de mercados variados que compreende o chamado mercado plus size que, diga-se de passagem, tem apresentado significativo crescimento mundial incluindo o Brasil.

Esse mercado parece estar mais preocupado em lucrar, como objetivo do que representatividade da mulher gorda na sociedade, já que veremos que o corpo gordo feminino que tem sido usado como marketing desse mercado não é o mesmo que transita nas ruas de nosso país.

A representatividade que não representa

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Uma das principais polêmicas atuais na discussão sobre o mercado plus size é a representatividade da mulher “com curvas”, nome que tem se difundido, revestido de positividade, para designar a mulher gorda. Mas, o que será que o mercado tem entendido por representatividade? Essa representação representa efetivamente as mulheres brasileiras acima do peso imposto pelo mundo da moda?

Acompanhando, nas redes sociais, blogs e canais de mulheres que se autodeclaram gordas e afirmam possuir e representar os corpos que são excluídos das passarelas e do mercado da moda contemporânea, percebemos que o tema da representatividade da mulher gorda é muito mais complexo do que aparenta ser.

Nas últimas décadas, as discussões sobre o conceito de representatividade estão ganhando força nas estratégias de marketing dentro das indústrias mercadológicas, principalmente com o público feminino, perceptível em diversas estratégias publicitárias de diversas marcas famosas.

A marca Avon de cosméticos, por exemplo, vem se destacando desde 2016 pela inclusão e diversidade de suas campanhas, criando uma repercussão positiva nas redes sociais.

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Segundo a Diretora de Marketing da empresa: “A Avon quer que as mulheres possam ter mais escolhas e garantir que elas tomem as próprias decisões e sejam protagonistas de suas próprias histórias. Nosso propósito é criar um mundo com mais mulheres empoderadas, pois sabemos que quando uma mulher é empoderada, ela ajuda, influencia e empodera outras mulheres.” (SILVA, 2017).

Para os estudos de consumo contemporâneo, o conceito de Representação Social toma uma dimensão forte tanto política, como econômica, social e cultural, tornando-se uma discussão imprescindível para entender a sociedade em que vivemos e suas representações simbólicas.

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A padronização dos tamanhos parece não ser rompida, apenas levemente dilatada, e tal padronização é acompanhada por outras questões de beleza, como vemos na maioria das campanhas plus size nas mídias.

 No cabelo, nas unhas, na propagação de um tipo de sensualidade que sustenta a construção social do gênero feminino. Justamente o que uma parcela de mulheres gordas maiores vem buscando romper através de vários tipos de ação.

Não quero dizer que as gordas “reais” não querem ser sensuais, claro que querem, todos querem, a sensualidade faz parte do universo humano, mas essa construção midiática de uma sensualidade única, magra, branca é que não cabe mais num mundo onde a diversidade existe e aparece.

O que é importante na reivindicação do ativismo gordo por representação, é que se tenha uma visão fora dos estereótipos e padronizações corporais como verdade.

Para a representatividade estereotipada existe uma naturalização de mulher e de papéis femininos dentro da padronização da beleza que não ajuda nem um pouco quem esta fora ou não consegue alcançar esse padrão estilizado do que usar, vestir, ser e estar.

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Foucault em a Ordem do Discurso (1996), quando analisa as inversões das evidências na análise do discurso social, explica que buscar a vontade de verdade e os recortes discursivos acabam construindo a naturalização de papéis. Segundo o autor, o discurso verdade se apoia na tradição, na ciência, na religião para acabar definindo a essência dos sujeitos, uma identidade construída em critérios arbitrários que se apresenta como um caráter atemporal, negando toda uma historicidade em afirmações do tipo “essa mulher, representa todas as mulheres gordas do Brasil”.

Nesse discurso de representatividade da mulher gorda, vemos a reprodução do corpo sexuado, a ostentação da produção do corpo feminino útil e dócil dentro das normas padrões do que vende e do que se almeja ser, sem ser.

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As tecnologias do mundo contemporâneo acabam através do discurso midiático imageticamente reproduzindo a ideia das representações de gênero, de mulheres sensuais, brancas, magras e poderosas no sistema vigente.

Foucault (1988, p.180) explica esse poder, “(…) Afinal, somos julgados, condenados, classificados, obrigados a desempenhar tarefas e destinados a certo modo de viver ou morrer em função dos discursos verdadeiros que trazem consigo efeitos específicos de poder.”

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É como se as mulheres gordas que olham as imagens da modelo vissem essa reprodução de sensualidade, de corpo sexuado que representa a beleza, abrissem as portas para as mesmas acharem que estão sendo representadas, porém, esse corpo é uma mercadoria que vende uma representação equivocada do que é ser uma mulher gorda no mundo contemporâneo.

O que esse corpo representa então? Por trás desse corpo, e através dele, está a repetição da padronização de um corpo feminino menor sensual, é o mundo feminino corporativista, o império dos cosméticos, da indústria plus size, da mulher branca de classe média e alta que pode comprar esse corpo representado pelas mídias. Juntam-se dominações de gênero e de classe sob a vontade inocente de ser bonita.

Segundo a feminista Virginia Wolf em seu livro “O mito da beleza” (1992) explica que o mito da beleza não tem absolutamente nada a ver com as mulheres. Ele diz respeito às instituições masculinas e ao poder institucional dos homens. As qualidades que um determinado período considera belas nas mulheres são apenas símbolos do comportamento feminino que aquele período julga ser desejável. O mito da beleza na realidade sempre determina o comportamento, não a aparência.

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A filósofa Judith Butler em seu livro “Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade” (2003), explica que as identidades são construídas discursivamente pelas normas sociais, efeitos de instituições, práticas e discursos múltiplos e difusos. Ou seja, a realidade que o sujeito apresenta, diz do corpo que fala e age é performativamente produzida pelo discurso. A autora defende “um modelo performativo da identidade no qual nossas ações, repetidas incessantemente, constituem a identidade como se fosse algo natural; a essência é, assim, um efeito de performances repetidas que reatualizam discursos histórica e culturalmente específicos.” (BUTLER, 2003, p.446).

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Nessa construção performativa do corpo gordo feminino, fragmentado em hierarquias de cor de pele, cabelo, sedução, classe social, se pode ver a dramatização da representação delimitadora do próprio gênero feminino, ligado a um determinante biológico inferior, incapaz e sedutor. O corpo feminino é inferior, mas o corpo gordo feminino o é ainda mais.

O corpo, para Foucault (1987), está inserido numa teia de poderes que lhe dita proibições, obrigações e coerções que acabam por determinar gestos e atitudes e, portanto delimitam as práticas e mecanismos na construção do corpo inteligível em uma estrutura sociopolítica de utilidade e docilidade.

Isso acontece porque esse corpo padrão, ainda que seja um padrão maior que o padrão dominante, é um produto que se vende como ideal, associado a felicidade, ao belo e o parâmetro de beleza acaba sendo mulheres famosas que estão em evidência e são apresentadas pelo mercado da moda como “poderosas”, e claro, todas querem ser poderosas, aceitas e felizes.

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As mulheres continuam repetindo um ciclo de se ver na celebridade, no outro, como se fosse ela mesma, porém essa performance acaba por deprimir ainda mais a mulher que se vê na famosa, mas não tem o corpo dela, e isso vende, porque tristeza e insatisfação com o próprio corpo rende muito consumo.

Assim, esse discurso de representatividade acaba por estar no mesmo processo da opressão estética que a mulher sofre e sempre sofreu sobre seu corpo.

Muitas dessas aparições acabam por reforçar ainda mais a gordofobia no mundo atual, já que, onde estão as mulheres que vestem acima dos 50, que tem cabelos que não são lisos e loiros, peles e rostos diferenciados daqueles valorizados pela grande mídia?

Elas existem e estão se organizando fora do mercado, em sites, páginas e blogs, lutando por representatividade real da mulher gorda no mundo. Algumas marcas estão surgindo, lideradas por pessoas gordas que estão preocupadas em ganhar dinheiro, mas também em representar aquilo que está excluído do mercado: O corpo gordo feminino.

O corpo gordo feminino que resiste

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É através do corpo que temos a experiência de estar no mundo e tais experiências encontram-se marcadas no corpo, não somente do ponto de vista físico, mas como um agenciador de produção de subjetividades. Na sociedade contemporânea, que é orientada por múltiplos valores, a própria experiência de ser e ter um corpo, que pode ser modificado por técnicas, tecnologias, artes, dietas constantemente, é sujeita a paradoxos.

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Nós gordas e quem apoia a diversidade dos corpos, deveríamos prestar mais atenção na hora de nossas compras e apoiar apenas marcas que estão preocupadas de verdade com os corpos excluídos socialmente.

            Existem inúmeras lojas que se autodenominam plus size, mas quando você pede uma numeração acima dos 50 eles não têm, é como se a partir dessa numeração a marca não quisesse que gordas maiores saíssem nas ruas com seus modelos, isso mesmo, maior de 50 não precisa usar a etiqueta. Marcas que se intitulam moda maior, mas que escolhem até que números seus clientes podem vestir suas roupas, isso é gordofobia também.

Vale lembrar como já apontado, que existem algumas marcas preocupadas com essa numeração maior, mas que ainda em sua maioria, é para um público com mais poder aquisitivo. Quando não se tem o privilégio de poder gastar com roupas, a coisa fica ainda pior, e quando achamos a numeração grande são extremamente mal cortadas, com tecidos de péssima qualidade, cores horríveis.

Para variar o gordo deve ser castigado: “Não tem roupa que te sirva, faz um regime para que algo te sirva”. “Experiência própria; de uma ilógica sobrenatural, eu que devo caber na roupa não a roupa em mim.”

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Pesquisando algumas marcas na internet que tinham números acima dos 54, percebi que quase todas têm uma relação íntima com o corpo gordo, e automaticamente com a preocupação de roupas legais caberem numa pessoa gorda, ou seja, gordos fazendo roupas para gordos. Isso é representatividade.

Observações essas que mostram a importância do Ativismo Gordo e dos coletivos antigordofobia nas redes nesses últimos anos no mundo todo, ter uma roupa legal para se vestir é um direito de qualquer pessoa.

Por isso a importância do corpo gordo ocupar espaços sociais dominados por corpos magros é de uma importância única, só quem passa pela falta de roupas no mercado para vestir é que acaba se preocupando em suprir essa lacuna.

A falta de representatividade GORDA

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Como vimos, a população que está acima do peso no Brasil é muito grande e significa mais que um problema epidêmico, como o discurso médico quer fazer crer. As pessoas gordas são cada vez maior, portanto, é também um público alvo crescente de um mercado que também cresce para satisfazê-lo.

A falta de representatividade da mulher gorda no mundo da moda até então, fez com que se vendesse menos. Se 30% da população mundial esta acima do peso, e quer se sentir representada, ou pelo menos achar que esta sendo representada, esses meios que tem usado a representatividade para vender a moda plus size tem um poder de mercado enorme. Sendo assim, será comum existir investimentos em publicidade e marketing para essa fatia do mercado.

Dessa maneira, mais do que uma representatividade ética e social para com as mulheres gordas, é um nicho visto como um grande negócio, uma engrenagem propulsora da venda de roupas, cosméticos e acessórios para mulheres fora do padrão, que até pouco tempo atrás, não era de forma alguma mencionada na mídia e muito menos na moda.

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A moda plus size é considerada pelo mercado uma tendência mundial, já que a população acima do peso também vem crescendo. Isto significa faturamentos milionários.

A representatividade, enquanto quebra de padrões e valorização do corpo gordo feminino, ainda não existe no mercado, e se existe é algo inexpressivo, já que, o que se vê é uma falsa representação do que não é real, propulsionando o enriquecimento de inúmeras empresas de moda, que perceberam o grande lucrativo investimento na indústria do que é ser “bela” para pessoas acima do peso, hoje no Brasil.

O que vemos, são mulheres dentro de padrões de beleza, cultivado por impérios da moda, cosméticos e tudo que envolve a beleza da mulher no mundo contemporâneo.

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Para que a mulher gorda seja considerada bela, deve seguir alguns estereótipos estipulados pelo sistema, como ser branca, não ter barriga, cabelos lisos, ser sensual, ser bem sucedida e ter dinheiro para comprar roupas, acessórios e tudo mais que possa fazer com que você mesmo que gorda, continue buscando no consumo a sua beleza.

Portanto, a representatividade ainda é incipiente no sentido de um consumo ativista preocupado em empoderar corpos fora do padrão estipulado pela indústria no mundo atual. Essas aparições de mulheres gordas e “lindas”, aparecendo com mais frequência nas medias não significa que pessoas gordas estão sendo aceitas na sociedade, muito pelo contrário,

Precisamos levantar o debate da representatividade midiática através de personalidades famosas em contrapartida a mulheres reais. Por um lado, temos corpos pouco acima do peso estipulado pelo mundo das passarelas, enquanto por outro lado temos mulheres de tamanhos maiores buscando representatividade de verdade procurando uma roupa para vestir.

Estamos diante de um paradoxo, já que se o objetivo é o consumo, vender e ganhar dinheiro, porque esse mercado se nega a contemplar mulheres – que são muitas – de numeração acima dos 50?

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Diante dessa constatação, o que podemos dizer é que o estigma do corpo maior é tão grande que acaba atingindo também o mercado, contudo se fizermos uma pesquisa na internet pode-se constatar que esse mercado tem expandido, estudos do SEBRAE mostram que um bom investimento de empreendedorismo, por exemplo, em 2018 seria investir em tamanhos maiores.

Cabe a pergunta de quais tamanhos maiores estão falando? Esperamos que muitas mulheres da moda que sejam gordas comecem a militância em entender e perceber essa fatia de mercado e supram essa falta de sensibilidade do próprio mercado em vestir corpos maiores com qualidade e preços justos.

PARA CONSULTAR

ABRAVEST Associação Brasileira do vestuário. Disponível em: Associação Brasileira do vestuário. Acesso em: 21/06/2017

BUTLER, J. Problemas de Gênero: Feminismo e Subversão da Identidade. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2003.

FOUCAULT, M. A ordem do discurso. São Paulo: Editora Loyola, 1996.

—— A arqueologia do saber. Rio de Janeiro, Forense, 1987.

—— A microfísica do poder. Rio de Janeiro, Graal, 1988.

MURRAY, C. Quase um terço da população mundial está obesa ou acima do peso. O número passou de 857 milhões, em 1980, para 2,1 bilhões em 2013, de acordo com o estudo Global Burden Disease, 2014. Disponível em: http://veja.abril.com.br/saude/quase-um-terco-da-populacao-mundial-esta-obesa-ou-acima-do-peso/. Acesso: 29/05/2014.

MURRAY, S. A patologização da obesidade: Posicionamento da Gordura em nosso imaginário cultural . Biopolítica e a Epidemia de Obesidade: Órgãos Diretivos: Órgãos Diretores. J Wright; V Harwood. Routledge, 2009.

POULAIN, J. P. Sociologia da Obesidade. São Paulo: Senac, 2013.

SEBRAE, 2016. Disponível em: http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/artigos/moda-plus size-explore-este-nicho-de-mercado,5e48088ec0467410VgnVCM1000003b74010aRCRD. Acesso em: 23/03/2016.

SILVA, M.C.R.G. AVON: reposicionamento de mercado, marketing de valores e campanhas publicitárias de empoderamento feminino no Brasil. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XXII Congresso de Ciências da Comunicação na Região Sudeste – Volta Redonda – RJ, 2017.

WOLF, N. O mito da beleza: Como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rocco, 1992.

Obs. Texto publicado no TODAS FRIDAS em 2018.

Mulheres Gordas de Biquíni no Verão: Direito de Todes

Verão, água e o corpo: Nem sempre uma experiência positiva

Verão chegando… Calor aumentando… Férias, viagem, praia, rio, piscina, mangueira, e pra acompanhar toda essa delicia: a roupa de banho comum nessa época do ano. Todo mundo, ou quase todo mundo, gosta de água no calor e tem em seu guarda roupa alguma peça para essa ocasião: diversão e relax na água, até porque vivemos num país que o calor em dias de verão é insuportável.

Toda criança tem, ou deveria ter, lembranças carinhosas e alegres de momentos na água com a família, vizinhos e amiguinhos, viagens de férias, e se não, brincadeiras dentro da piscina desmontável ou caixa d’água, mangueira no quintal, essa cena faz parte do cotidiano brasileiro.

Depois vem a adolescência, e o corpo começa a se transformar visivelmente, e com suas transformações e hormônios bombando, aparecem os trajes de banho, os que estão na moda, a marquinha do biquíni, a festinha na piscina de um amigo do amigo, a viagem com a família da amiguinha da escola, e assim vai. Verão é tempo de usar pouca roupa e se divertir, não é mesmo?

Na fase adulta, naqueles dias de calor insuportável, procurar um rio, cachoeira, lago, bacia, mangueira, sei lá o quê para se refrescar e as roupas para se molhar também estão presentes na vida comum de um brasileiro. Top, shortinho, fio dental, cortininha, biquíni de fita, maiô, são diversos os modelos e marcas para usar nesses eventos do calor. Têm de todo preço e em quase todo lugar tem uma loja que vende moda praia.

Ideia comum e normatizada que todo mundo quer ficar na água, se refrescando, colocar pouca roupa e curtir o verão sem sofrer com as altas temperaturas.

Parece um cenário cotidiano, essas apresentadas acima desde nossa infância até a fase adulta, eu mesmo passei por isso. Contudo, quando você aprofunda seu olhar para a diversidade de corpos que existem no país e como esses corpos são excluídos nesses cenários, automaticamente aparece questionamentos: Todo mundo se diverte? Certeza? Todos os corpos são aceitos e têm o direito de se refrescarem e divertirem?

Geral se diverte, a não ser que seu corpo não tenha sido aprovado socialmente. São muitos os corpos reprovados pelo crivo do verão. Sem aprovação social, a mulher gorda é um corpo que não pode nem pensar em se expor, muito menos se divertir nos dias mais quentes do ano, aliás, em nenhum dia esse corpo deve aparecer e ser feliz, mas no verão essa exclusão pode ser ainda mais cruel e danosa as mulheres gordas.

Diversos são os depoimentos que observo nas redes sociais de mulheres que ficaram ou ainda estão, anos sem usar um biquíni ou maiô, sem ir a praia ou piscina, lago ou mangueira, se tiver uma galera junto ai que não vão mesmo.

Top e shortinho nem pensar, são mulheres que abdicam da diversão e refresco que esses momentos trazem na vida do sujeito comum, e que no verão se diverte na água, estando ou não de férias. As cidades grandes, como São Paulo, por exemplo, esvaziam, todos descem para o litoral a procura de água e diversão. As praias, piscinas e mangueiras no quintal lotam de pessoas a procura de sombra e água fresca.

A primeira vez que ouvi um depoimento de uma moça de 18 anos que nunca tinha ido à praia, nem a piscina porque tinha que usar biquíni, e o máximo que ela tinha feito para se refrescar, foi tomar banho no chuveiro gelado pelada de porta fechada pra ninguém ver seu corpo, estremeci.

Lembrei que nos meus 14 anos fiz uma viagem para Mongaguá com a família de uma amiga, íamos todos os dias a praia e estava usando maiô nos primeiros dias, depois de uma semana, ganhei um biquíni, tomei coragem e coloquei encima da marca do maiô, eu nunca fui muito encanada com essas coisas, apesar de já sentir a gordofobia, mas fui perceber e começar entender melhor o que acontecia na fase adulta.

Enfim, estava me divertindo na água, quando o namoradinho da minha amiga comentou com ela na minha frente, sem ao menos disfarçar: – Além de gorda essa marca está horrível. Fez-me mal, muito mal. Mas, ainda bem, me afastei daquele tipo de gente, porque eu queria era ser feliz. Daquele dia em diante, tenho evitado gente assim, e ao invés de maiô, prefiro os biquínis e as pessoas que evitam julgamentos desnecessários.

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Às vezes consigo, outras vezes não, mas nem sempre todas as mulheres conseguem perceber que você não é obrigada a andar com quem te trata mal, e pior ainda, quando a própria família faz esse tipo de julgamento o tempo todo.

São dessas mulheres que quero falar nesse texto, sobre todas as GORDAS que com corpos grandes, em algum momento da vida ou em vários, fomos julgadas e diminuídas por querer estar onde todos estavam se divertindo na água, usando a roupa do verão.

Terrorismo no Verão

Numa das reflexões levantadas pela historiadora Denise Sant’Anna que estuda o corpo gordo e a história da beleza no Brasil, em um artigo bem gostoso de ler, publicado numa revista feminista em 2014, intitulado: “Da gordinha à obesa. Paradoxos de uma história das mulheres” a autora chama a atenção do corpo gordo feminino na praia e as provas de aprovação ou reproche que existe dentre os corpos em trajes de banho no verão.

Sant’Anna explica, que não existe formalmente um júri com jurados conhecidos e provas a serem realizadas, mas que a famosa “prova da praia” existe, ela afirma que sim. “(…) a publicidade de cosméticos investe massivamente nessa imaginária prova, aguçando e necessidade de vigiar a própria aparência com uma tenacidade de fazer inveja aos policiais.”

A mídia e sempre ela, mostra a sociedade como o corpo deve se vestir, estar, medir, principalmente quando está em trajes de banho. Também apresenta massivamente a caça as bruxas dos corpos gordos e a patologização da “obesidade”.  Assim,

 (…) nada escaparia aos olhares dirigidos às silhuetas banhadas pela luz solar: qualquer ponta de celulite, todos os quilos a mais ou músculos a menos, além de manchas e flacidez estariam flagrantemente expostos à crítica alheia. O pior é que, segundo aqueles mesmos conselhos, esta revelação da aparência física ainda corre o risco de dar lugar a outras, mais profundas, tais como a suposição de que corpos fora do padrão estariam em desacordo com a vida moderna, indicando uma vontade fraca, “baixa autoestima”, alguma doença, pobreza ou mesmo falta de higiene. ( Sant’Anna, 2014).

Revistas, programas de TV e anúncios bombam nas mídias com a proposta à melhoria física ao alcance de todos: desafio verão, treino verão, projeto corpo verão, barriga chapada verão, tudo encima pro verão, dieta do verão, treino enxuga pro verão e assim vai…

Segundo a historiadora, existe um ar terrorista em todos os verãos, numa corrida por apresentar o corpo em trajes de banho exatamente como as medias impõem: um corpo magro, malhado e bronzeado de preferência.

Por isso, a fórmula “prepare-se para o sol” – que poderia ser um aviso com gosto de descanso e contentamento, pois coincide com férias, calor, possibilidade de se divertir e repousar – evoca um rol imenso de tarefas a cumprir, com muita disciplina e inabalável esforço: é preciso fazer dieta, nutrir a pele e os cabelos, empenhar-se em exercícios físicos, decidir por cirurgias plásticas, depilações, escova progressiva, ingestão de cápsulas para melhorar o bronzeamento e tantos outros tratamentos que incluem diferentes intervenções no corpo, externas e internas, muito gasto de dinheiro e tempo. Ou seja, para tirar a roupa e expor o corpo quase nu em praias e piscinas é preciso um longo e custoso preparo. Até recentemente na história, era necessário um longo e custoso trabalho para se vestir. Atualmente, o fardo também é de peso para quem quer se despir. (Sant’Anna, 2014).

Assim, que não existe descanso na hora de descansar, nas férias não há divertimento na hora de se divertir, muito pelo contrário, nós mulheres através de uma opressão estética irracional, devemos estar preparadas, com muito esforço e cuidado para apresentar um corpo aceito para que a vitrine social do verão aprove ou reprove nosso corpo nesse cenário.

Junto a essa aprovação social, caminha lado a lado todo um estigma e julgamento daquelas que não conseguirão se esforçar o suficiente para a conquista do corpo perfeito. São fracas, desleixadas, preguiçosas, sujas, inúteis e assim por diante.

Para qualquer mulher, o tão conhecido “projeto verão” pode se tornar uma experiência triste e traumática, mas para uma mulher gorda, o verão pode ser o grande “projeto terror”, existem mulheres gordas que se suicidam por não conseguirem o corpo magro conquistado por algumas, existem outras ainda, que se mutilam, choram, se isolam e desenvolvem síndrome do pânico, medos sociais, traumas, fobias, etc.

Essas mulheres já sofrem gordofobia o ano todo, mas no verão essa pressão, esse julgamento multiplica e pode ser mais cruel, dependendo de como a mulher gorda está e com quem está acompanhada, as consequencias podem ser doentias.

Direitos Humanos: Direitos aos gordos curtirem o verão

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A ONU define que: “Os direitos humanos são direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente de raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição.”

Quando falamos que a gordofobia é muito mais profunda que qualquer pressão estética que uma mulher venha sofrer, estamos falando da perda de direitos, direitos esses básicos, como no caso aqui exposto das pessoas gordas curtirem o verão, usarem a roupa de banho que escolherem e se sentirem bem, sem medo a julgamentos e humilhações.

Poder entrar no mar, piscina, mangueira ou caixa d’água do jeito que bem quiser e sorrir, curtir, se refrescar, também é um direito! Todos devem ter o direito a ser feliz, vocês não acham?

A gordofobia nesse caso, já começa na hora de comprar uma roupa de banho numa numeração maior, é quase um martírio e nem a indústria, como o comércio estão preparados para atender essa clientela.

Numa experiência ano retrasado no Rio de Janeiro, duas amigas foram às compras de biquínis, a mulher magra usa numeração 42-44 e a gorda usa 58-60, visitaram dois shoppings e um comércio popular, a amiga magra comprou dois biquínis e um maiô que eram de seu gosto, pode escolher peças que estavam em promoção, provou alguns e encontrou rapidamente o que queria, o tratamento das vendedoras foi atencioso e assertivo no atendimento a cliente magra. Enquanto isso, a amiga com corpo maior, não achou em nenhum estabelecimento trajes de seu tamanho, as vendedoras a trataram com descaso e indicavam lojas com tamanhos “especiais ou maiores”. Exausta de tanto buscar, descobriu na internet, no dia seguinte, uma loja que vendia tamanhos maiores e lá encontrou um biquíni a seu gosto, mas no corpo não se sentiu confortável, assim preferiu comprar um maiô que se sentiu mais confortavelmente, contudo só tinha preto e azul marinho, não tinha nada colorido e alegre, e o preço mais caro que toda a compra que a amiga magra gastou. Como observamos a gordofobia já começa na hora de ter acesso ao consumo do traje de verão.

Ainda sobre sofrer gordofobia a vida toda por ter um corpo maior que o estabelecido, conversei com uma moça de 17 anos que mora em Natal pela net, ela me disse:

Moro bem perto da praia, na minha casa tem piscina, verão aqui na cidade é uma alegria, todos de férias curtindo o mar, a piscina, usando roupas curtas, se refrescando, a família toda se reúne na praia. Pra mim sempre foi um inferno, nunca pude ir a praia como queria, só ia porque minha mãe me obrigava, e de bermuda e camiseta, chorava tanto depois. (…) Já tentei me matar muitas vezes, tenho o braço todo marcado, uma vez tomei uns remédios da caixa da minha mãe de remédios e fiquei internada 15 dias quase fui, queria ter ido, todas as minhas tentativas terminavam em frente ao psiquiatra, tomando remédios. (…) Minha mãe parou de me obrigar ir a praia e emagrecer, nunca mais fui: eu odeio o verão, mas amo a praia. (…) Ano passado estava passando de carro com minha tia na orla da praia e vi um grupo de mulheres gordas com faixas e gritos “Vai ter gorda na praia Sim!” elas infernizaram o verão de Natal, as vi em vários pontos da cidade, eu tive vergonha de chegar perto, mas pesquisei na internet e descobri que tem um monte de mulher gorda, como eu, usando biquíni e indo na praia, fiquei feliz e tive vontade de me juntar a elas. (2018).

Parecido a esse depoimento já li inúmeros deles, de diversos lugares do Brasil e America Latina, narrativas que falam sobre mulheres que nunca conseguiram curtir o verão pela gordofobia que sofrem; algumas superam, infelizmente outras não.

Por isso que o ativismo gordo é responsável, muitas vezes, pelo empoderamento gordo. Estar em contato, conhecer e pesquisar sobre o corpo maior é importante, porque é nele que podemos nos espelhar, vendo mulheres se libertando dessa opressão, vendo gordas empoderadas acaba sendo uma inspiração  de libertação de toda essa humilhação  e entender que ser feliz com o próprio corpo é Nosso Direito.

O Ativismo Gordo liberta

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O MEU CORPO É RESISTÊNCIA

Todo dia uma mulher gorda é xingada na rua. Todo dia uma mulher gorda é mal atendida por um médico. Todo dia uma mulher gorda ouve uma mulher magra dizer que está gorda (e que isso é a coisa mais terrível que pode acontecer em sua vida). Todo dia uma mulher gorda é olhada com desprezo numa academia. Todo dia uma mulher gorda é julgada num restaurante. Todo dia uma mulher gorda é escondida pelo seu namorado (que sente vergonha de amar uma mulher fora dos padrões). Todo dia uma mulher gorda é rejeitada numa entrevista de emprego. Todo dia uma mulher gorda quebra uma cadeira (feita pra pessoas magras). Todo dia uma mulher gorda escuta que ela é bonita, mas apenas de rosto. Todo dia uma mulher gorda é classificada como uma pessoa sem vida sexual. Todo dia uma mulher gorda causa espanto por ser feliz. Todo dia é dia de resistência. (VIEIRA, 2016).

O Ativismo Gordo tem aparecido nesse cenário para contestar essa padronização do corpo belo magro, mulheres que também sofreram por ser gordas socialmente e tentaram de diversas formas se adequar ao estabelecido, mas por dentro não estavam felizes e não se aceitavam como eram, nem todo mundo consegue ter um corpo magro, existe inúmeros canais anti gordofobia e empoderamento no Brasil e no mundo que reverbera essa situação: Mulheres gordas que mudaram a maneira de ver e sentir o próprio corpo no mundo.

Além dessas experiências, existem pesquisadores-ativistas- sobre a temática contestando o que profissionais da saúde afirmam sobre o corpo gordo ser doente. São pessoas que usam suas pesquisas para propagar essas discussões e que colocam acima de tudo a integridade das pessoas gordas e o direito a existirem e resistirem.

Resistir a esse terrorismo pela beleza de ter um corpo magro faz desses corpos, corporalidades políticas subversivas que mostram ao mundo que existimos e temos o direito a sermos felizes com os corpos que temos.

No livro de Sant’Anna sobre a história da Beleza no Brasil, explica a obediência feminina pela busca do corpo verão, que já acontecia nos anos 60 e 70,

Com a voga internacional dos três S (sun, sex and sea), o corpo jovial, magro e bronzeado transformou-se num grande símbolo de beleza, saúde e sensualidade. Em 1944, havia sido criado o primeiro creme de bronzear Coppertone. Mais tarde, a beleza feminina foi pedir morada entre aquelas que conseguiam uma aparência cujas marcas de biquíni fossem bem nítidas. Para dourar a pele valia tudo: receitas mirabolantes eram trocadas entre garotas obedientes a uma disciplina impecável de exposição ao sol. Elas mais do que eles, dedicaram-se ao bronzeamento em praias, piscinas e quintais: meia hora de frente para o sol, sem se mexer muito, e meia hora deitada de bruços. (Sant”Anna, 2014, p. 128-129).

Obediência essa se repete nos dias atuais, e junto a toda essa conformidade, por outro lado, também vem surgindo mulheres que questionam a padronização corporal. Discussões levantadas pelo ativismo gordo, por exemplo, como: para quem emagrecemos e para quem fazemos todos esses esforços de aprovação social de corpo belo e magro? E porque vale tudo para estar magra e bela? O que é mais importante o que os outros pensam de seu corpo ou o que você sente sobre ele?

Mediante a questionamentos dessa natureza, a visão crítica sobre estar no mundo, modifica a consciência dessa imposição sobre o próprio corpo, que também vai passar por um pensamento mais crítico e mais humano perante ao estigma que a sociedade em geral nos apresenta desde a infância.

“Conhecer é poder”, já disse Francis Bacon e é disso que trata o ativismo, apresentar outras possibilidades de conhecer e responder as imposições sociais sobre os corpos que não estão nos padrões capitalísticos de consumo, muitas vezes inquestionáveis, apenas obedecidas.

Michel Foucault explica em seu livro Microfísica do Poder, com diversos argumentos, como nossos corpos vão sendo educados desde que nascemos para seguir o imposto pelos dispositivos de poder, como a beleza, a sensualidade, obediência, aceitação e assim por diante.

O domínio, a consciência de seu próprio corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do investimento do corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular, a nudez, a exaltação do belo corpo (…) tudo isso conduz ao desejo de seu próprio corpo através de um trabalho insistente, obstinado, meticuloso, que o poder exerceu sobre o corpo das crianças, dos soldados, sobre o corpo sadio. (Foucault, 1979, p.146)

Romper com essa maneira de estar no mundo, é propor um corpo político, que resiste a ser padronizado como belo, saudável e magro. Rotulados, etiquetados e colocados na vitrine verão, como modelo do ideal a ser seguido e conquistado.

Quebrar com isso é revolucionário, porque se resiste à obrigação de ser o que não se é, estar contra o que se é esperado e que não se sintam mal por não estarem dentro do padrão, aceitando seu corpo como é, acaba quebrando toda uma concepção do que é ser belo e feminino na visão capitalística.

Muitas mulheres que fazem parte do ativismo gordo pararam de lutar com a balança, regimes absurdos, plásticas, academias, espelhos e agora se aceitam como são, transformando seus corpos em corpos criativos, políticos de luta.

Essas militantes são felizes, estão felizes porque buscam no mundo o seu lugar como são e não como querem ou estipularam que deveriam ser. Mulheres, que já não aceitam de maneira alguma seguir pela busca, seja como for, pela padronização da estética feminina magra.

É de empoderamento político que estou falando, do empoderar proposto pelo feminismo negro, que Joice Berth explica tão lindamente em seu livro O que é empoderamento?

Partimos daqueles e daquelas que entendem empoderamento como a aliança entre o conscientizar criticamente e transformar na prática algo contestador e revolucionário na sua essência. Partimos de quem entende que os oprimidos devem empoderar-se entre si e o que muitos e muitas podem fazer para contribuir para isso é semear o terreno para tornar o empoderamento fértil, tendo consciência, desde já que ao fazê-lo entramos no terreno do inimaginável: o empoderamento tem a contestação e o novo no seu âmago, revelando, quando presente, uma realidade sequer antes imaginada. É sem dúvidas, uma verdadeira ponte para o futuro. Vale dizer que há a importância de se empoderar no âmbito individual, porém é preciso que também haja um processo conjunto no âmbito coletivo. Quando falamos em empoderamento, estamos falando de um trabalho essencialmente político. (BERTH,2018, p.129-130).

Esse novo corpo que faz questão de ocupar os espaços que sempre foram negados a ele é um corpo que acontece, político, assumido e provocativo já que é indesejado.

A proposta de aparecer é subverter a lógica estabelecida e resistir nesses lugares antes proibidos e censurados. Assim, esse corpo gordo da mulher que se impõe é político e provocador, mostrando aos sujeitos que se pode estar no mundo e ser feliz tendo outro corpo que não o estipulado como belo e saudável.

Assim, que acompanhar essas mulheres corajosas e revolucionárias faz bem, impulsiona nosso ser político e contestador das regras verberando uma nova maneira de ver e estar no mundo.

Para Lazzarato em seu livro “As revoluções do capitalismo”, existe um corpo que acontece como resistência ao controle dos corpos, experimentando outros corpos possíveis.

A ação política é uma dupla criação que acolhe simultaneamente a nova distribuição de possibilidades  e  trabalha  por  sua  efetuação  nas  instituições, nos  agenciamentos  coletivos  \”correspondentes  à  nova subjetividade\”  que  se expressa  através  e  no  acontecimento.  A efetuação de possíveis é, ao mesmo tempo, um processo imprevisível, aberto e arriscado. (LAZZARATO, 2006, p. 20).

Para Consultar:

BERTH, Joice. O que é Empoderamento? Belo Horizonte: Letramento, 2018.

FOUCAULT, M. Microfísica do poder. 17.ed. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979.

LAZZARATO, M. As revoluções do capitalismo: A política no império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006.

ONU. https://nacoesunidas.org/direitoshumanos/

VIEIRA, T. O meu corpo é resistência. Blog Gorda Zen. Disponível em: http://gordaezen.com.br/selfie-empoderada/o-meu-corpo-e-resistencia. Acesso em 13/ 05/2016.

SANT’ANNA, Denise.  História da Beleza no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2014.

SANT’ANNA, Denise. Da gordinha à obesa. Paradoxos de uma história das mulheres. Disponível em: https://www.labrys.net.br/labrys25/corps/denise.htm

OBS. Texto publicado no Todas Fridas, 2018.

Monitoria Escritas Afectivas

Encontre sua escrita potência!

https://www.instagram.com/tv/COaosi-n1Ac/?igshid=fj4duwsvr7qb

ONDE

As aulas acontecerão ao vivo pelo zoom via SYMPLA

100% online

QUANDO

Em 5 encontros nos sábados – Das 17hs as 19hs horas – A turma fecha quando as vagas são preenchidas.

Começamos dia 13 de novembro de 2021.

COMO

A proposta é que em 5 aulas de 2hs cada, e exercícios, você consiga ter um reencontro afetivo com sua história, e acabe vivenciando um acontecimento/encontro com sua escrita.

QUEM PODE FAZER

Toda e qualquer pessoa acima dos 16 anos que queira encontrar sua escrita afectiva através da sua história.

INVESTIMENTO

500,00

Por transferência bancária, PIX ou PAG SEGURO

VAGAS

Para que a mentora possa atender com atenção e cuidado cada aluno, apenas 10 vagas serão abertas por turma.

MENTORA

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Malu Jimenez é filósofa, artivista escritora, mestra e doutora em Estudos de Cultura Contemporânea, professora de filosofia, literatura, sociologia e redação a 22 anos. Especialista em Autoetnografia, poeta artista, faz arte na escritura propondo um novo olhar sobre histórias potentes com escritas afetivas que afectam.

Nem sempre teve uma escrita potente e demorou muito tempo para se encontrar com sua escrita potência, tinha muita insegurança e nunca imaginou que ia se tornar uma escritora de suas próprias vivências, transitar pela escrita poética, acadêmica, livre e ativista.

Desde o mestrado em Estudos de Cultura contemporânea- ECCO na UFMT vem trabalhando escritas afectivas no texto acadêmico, como na poesia e em artigos ativistas.

Sua tese de doutorado \”lute como uma gorda: gordofobia, ativismos e resistência\” é autoetnografica, onde propõe uma escrita afectiva que afecte suas leitoras. Ela acredita que as palavras são ferramentas de resistência e revolução.

\”Escritas Afectivas\” propõe que em 5 aulas de 2hs cada, e exercícios, você consiga ter um reencontro afetivo com sua história, e acabe vivenciando um acontecimento/encontro com sua escrita. (Re)existindo e superando traumas, medos e inseguranças construídos sobre o processo de \”escrever\” na construção conflituosa e incômoda que desenvolvemos dentro da maioria das instituições de ensino desde nossas infâncias, que tanto paralisa nosso escrever.

A proposta é entender a escrita como potência e não opressão, ser afectado, afectar e deixar-se afectar. Vida e escrita se fundem no processo de criação que afectam nossa maneira de estar e viver no mundo.

Entender a escrita como um direito e que todas são potentes e importantes, pode ser um começo para que você se encontre na escrita e a transforme em liberdade para contar sua história, o que pensa e propõe.

Malu Jimenez apresenta sua experiência e encontro com seus afetos e desafetos, dores e curas através da poesis da escrita, se colocando no texto e no mundo como pesquisadora artivista feminista decolonial, gorda e filósofa, dentro de  uma proposta de  escrita política revolucionária feminista que mudou sua maneira de ser, entender e viver no mundo.

Propõe, a partir de sua vivência, uma reflexão sobre a importância de nossas vozes e narrativas insurgentes na pesquisa, dentro e fora da academia. Expõe o texto como processo criativo que rompe o estabelecido e apresenta sentimentos, saberes locais e rebeldia, transpõe a proposta colonial capitalista impregnada no fazer científico que intenciona à construção de uma pesquisa transformadora social.

A proposta que Malu Jimenez exterioriza é uma proposta para o reconhecimento de nossas potências impulsionando nossa maneira de escrever como um modo de fazer político, criativo, prazeroso e revolucionário.

CRONOGRAMA DAS AULAS

1 aula – Minha história importa e afecta: minha história é imensidão

Nessa aula Malu Jimenez vai demonstrar através de sua história/vivência como é possivel rever sua história, ter orgulho dela e transformar todo esse afeto em escrita.

2 aula – Meu lugar de fala é meu lugar de escrita

Saber se localizar socialmente, entender de onde você vem e como chegou até aqui é um ponto fundamental para que você se sinta a vontade e segura na sua escrita. Aprenderemos como fazer, entender e analisar nosso lugar de fala.

3 aula – Ressignificando dores, traumas, medos e inseguranças: as marcas/histórias gravadas no meu corpo.

Nessa aula é proposto o encontro de seus afetos e desafetos, dores e curas através de seu olhar sobre si mesma e sobre nossas dores que nos afectam desde a infância. Vivência que transborda a escrita, poesia nas texturas do mundo.

4 aula – Escritas Afectivas: Minha história importa!

Nesse encontro reconheceremos nossas potências que impulsionam revolucionar cada maneira de se olhar, pensar, pesquisar e escrever em um modo de fazer político, criativo, prazeroso e revolucionário.

5 aula – Minha escrita afectiva

Oficina de produção: reverberando o que nos afectou nesses encontro em palavras/texto.

Publicação dos trabalhos no Blog lute como uma gorda e Instagram.

TODAS AS AULAS SÃO ACOMPANHADAS DE EXERCÍCIOS

  • Aulas ficam gravadas
  • Material didático de apoio vitalício
  • Atendimento personalizado
  • Vídeos e PDfs
  • Nada é obrigatório a ser feito, tudo no curso são sugestões
  • Autonomia na sua construção de saberes
  • Revisão, leitura e sugestões das produções
  • Certificado

Bibliografia de APOIO:

AGAMBEM, Giorgio. Bartleby Escrita da Potência. Estudos do Labirinto, 1993.

ANZALDÚA, Glória. Falando em línguas: uma carta para as mulheres escritoras do terceiro mundo. ESTUDOS FEMINISTAS, 2020. Pgs. 229-236.

BACHELARD, GASTON. O direito de sonhar. Rio de Janeiro: Bertrand, 1994.

BUTLER, Judith. Problemas de gênero: feminismo e subversão de identidade. 2ªed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2008.

CALVA, Silvia M. Bérnard (Org). Autoetnografia: Una metodología cualitativa. México: Universidad Autónoma de Aguascalientes, 2019.

DELEUZE, Gilles. Espinosa: filosofia prática. São Paulo: Escuta, 2002.

DELEUZE, Gilles.; GUATTARI, Felix. O que é a Filosofia? Trad. Bento Prado Jr. e Alberto Alonso Muñoz. São Paulo: Editora 34, 1992.

FAVRET-SAADA, Jeanne. “Ser afetado”, cadernos de campo n. 13, 2005. pp. 155-161.

FEYERABEND, Paul. Adios a la Razón. Madrid: Tecnos, 1992.

FOUCAULT, Michel. Uma estética da existência. In: MOTTA, Manoel Barros (org.). Ética, sexualidade, política. 2ªed, Rio de Janeiro: Universitária, 2010b, pp. 288-93.

GUATTARI, Felix; ROLNIK, Suely. Micropolítica: Cartografias do Desejo, Petrópolis: Vozes, 1996.

HARAWAY, Donna. SABERES LOCALIZADOS: a questão da ciência para o feminismo e o privilégio da
perspectiva parcial. Cadernos PAGU, v.05, 1995.

HOOKS, Bell. Ensinando a transgredir: a educação como prática de liberdade. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2017.

HOOKS, Bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2020.

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Gordofobia e Ativismo gordo: o corpo feminino que rompe padrões e transforma-se em acontecimento. XXXI Congreso Asociación Latinoamericana de Sociología – Montevideo – Uruguay, 2017. http://alas2017.easyplanners.info/opc/tl/1243_maria_luisa_jimenez_jimenez.pdf

https://documentcloud.adobe.com/link/track?uri=urn:aaid:scds:US:daf7ff58-6e9e-4237-99de-a005fa508e60

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. O corpo gordo feminino como resistência! 2018. (Blog/Facebook). Disponível em: http://www.todasfridas.com.br/2018/03/03/o-corpo-gordo-feminino-como-resistencia/

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Pelo direito a não querer emagrecer e ser GORDA! RESPEITO AOS CORPOS DIFERENTES! 2019. (blog/Facebook). Disponível em: http://www.todasfridas.com.br/2019/02/12/pelo-direito-a-nao-querer-emagrecer-e-ser-gorda-respeito-aos-corpos-diferentes/

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. MEU CORPO GORDO É POLÍTICO: RESISTE AOS PADRÕES DA BELEZA E SAÚDE. 2019. (blog/Facebook). Disponível em: http://www.todasfridas.com.br/2019/07/17/meu-corpo-gordo-e-politico-resiste-aos-padroes-da-beleza-e-saude/

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Cuerpas Gordas: sexo, deseos y placeres revolucionarios. junho 2020. Disponivel em: https://hysteria.mx/cuerpas-gordas-sexo-deseos-y-placeres-revolucionarios/

JIMENEZ-JIMENEZ, Maria Luisa. Lute como uma gorda: gordofobia, resistências e ativismos. 2020. Doutorado (Programa de Pós Graduação em Estudos de Cultura Contemporânea – ECCO) – Faculdade de Comunicação e Artes da Universidade Federal de Mato Grosso – UFMT. Cuiabá, MT, Brasil.

LAZZARATO, Maurizzio. As revoluções do capitalismo: A política no império. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. 

LORDE, Audre. Os usos da raiva: mulheres respondendo ao racismo, 2013. Disponível em: https://www.geledes.org.br/os-usos-da-raiva-mulheres-respondendo-ao-racismo/

LOURO, G. L. Pedagogias da sexualidade. In: LOURO, G. L. (Org.). O corpo educado: pedagogias da sexualidade. Autêntica: Belo Horizonte, 2013.

PRECIADO, P. B. Testo Junkie. Sexo, drogas e biopolítica na era farmacopornográfica. – São Paulo: n-1 edições, 2018.

PRECIADO, P. B. Um apartamento em Urano: crônicas da travessia. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2020.

ROLNIK, Suely. Esferas da Insurreição: notas para uma vida não cafetinada. São Paulo: n-1 edições, 2018.

SANTOS, Boaventura de Sousa. Descolonizar el saber, reinventar o poder. Montevideo: Trilce, 2010.

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O que é o amor?

12 de junho também é dia de celebração dos corpos gordos


Se você perguntar o que é o amor, como na música talvez a gente não saiba responder com exatidão e nem explicar muito bem o que é… Mas o amor nos parece ser um desses fenômenos complexos, uma força que movimenta a vida e articula todas as relações, seja pelo seu excesso ou falta. A gordofobia leva ao erro de achar que não merecemos afetos, mas nesse dia 12 de junho, nós escolhemos ouvir narrativas contra hegemônicas. Histórias de amor para celebrar esse sentimento tão plural. O “Dia dos Namorados” também é uma data de amores gordos.


Reencontros e o amor numa sociedade cisgenera

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Debora e Tom (arquivo pessoal)

Tom Grito, 33, é carioca, não binário, trans, poeta e educador físico. Passou por situações cruéis onde teve o corpo hipersexualizado e usado, mas nunca assumido diante da sociedade. “Eu costumava dizer que tinha 10 interessados em transar comigo depois dum show do Catra mas ninguém que me levasse de mãos dadas pra assistir um show de jazz” relembrou.

Em meados de 2017, Tom reencontrou uma antiga conhecida, Debora. Ambos adoravam roda de samba e o universo calhou de uni-los novamente. Debora é uma mulher preta e gorda. Tom é trans, não binário e gordo. Corpos dissidentes e que despertam olhares curiosos, mas sem a real intenção de apreciação. Tom conta que é inevitável que uma sociedade cisgenera e branca questione suas existências e afetos. “Mas a gente não costuma se incomodar com isso, exceto se a pessoa vier comentar ou dar opinião, aí ela com certeza vai obter reação. A gente não se deixa mais silenciar”.

Mesmo com as inseguranças com o corpo, Tom não deixa de curtir a companhia de Debora em locais públicos. “A gente gosta de praia, apesar da dificuldade com o corpo, a gente também gosta dessa afronta, de ocupar os espaços públicos, da liberdade de existir, habitar e ocupar” contou.

Apesar de todos os traumas e gatilhos do passado, Tom encontrou em Debora uma nova vontade de ser feliz e se permitir amar. “O meu encontro com Débora faz com que a gente se estimule e incentive a alcançar nossas máximas potências. Eu me permiti assumir minha identidade também após esse relacionamento por conta de todo apoio e amor que obtive dela nesse processo”.

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Não aceitem menos! Construindo relacionamentos saudáveis

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Gabi e Tiago (arquivo pessoal)

Gabi Menezes, 30, paulista, gorda, cis, influenciadora e psicóloga. Como a maioria das pessoas gordas, Gabi cresceu com os familiares reproduzindo os comentários gordofóbicos a respeito do seu corpo. \”Sempre ouvi – principalmente da minha família – que com o corpo que eu tinha eu nunca iria encontrar alguém que gostasse de mim\”. Os comentários, mascarados em tom de cuidado e preocupação, reforçam uma ideia de que o amor é algo ligado diretamente ao padrão de beleza e até pacificarmos (em algum nível) nossa relação com próprio corpo, acabamos acreditando que não merecemos afeto. \”Em algum momento na faixa dos meus 20 anos eu desencanei, já era rebelde desde a adolescência mas pensava que, se não iriam gostar de mim pelo corpo que eu tinha, era melhor ninguém gostar mesmo\”, explica.

Em um relacionamento de oito anos, Gabi e Tiago namoraram durante um ano a distância, ela terminando a faculdade em Araçatuba e ele morando em São Paulo. Hoje construíram uma família, tem um filho, Nicholas de quatro anos e dois gatos, Gael e Tequila. \”Eu e Tiago já éramos conhecidos, depois de um ano, quando ele não estava mais morando em Araçatuba, que fomos conversando mais e vendo que tínhamos muitas coisas em comum\”. Estar aberto para receber o amor passa por um grande processo de autoconhecimento, respeito com os próprios limites e traumas. \”A gente vive num relacionamento sem julgamentos e zelando sempre pelos cuidados e saúde um do outro, principalmente a mental\”.

E esse grande processo pode ser fortalecido por laços de companheirismo. \”O que eu mais pude aprender e aprendo com o nosso relacionamento é não ligar tanto para o que as outras pessoas diziam ou pensavam ao meu respeito, basicamente o Tiago me ensinou a quebrar (já que as vezes eu apertava só de leve) o botão do foda-se!\”, a psicóloga complementa, \”Me ensina constantemente que eu não devo ficar me justificando e nem me julgando – principalmente no quesito da maternidade\”.

Associamos a solidão ao fracasso no amor, mas precisamos de refletir sobre o comprometimento afetivo com a nossa existência. \”Consegui encontrar um cara legal, que me respeita, me entende e acima de tudo, me ama. Se não fosse pra ser assim, eu preferia estar sozinha, real. Não aceitem menos pela sociedade achar que você merece menos! Merecemos viver de maneira romântica, da mesma forma que qualquer pessoa num relacionamento saudável\”.

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Mono e não-mono, as muitas formas de amar

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Hugo, Flávia e Kalli (arquivo pessoal)

Flávia Carves, 30, paulistana, gorda, cis, bissexual e multiartista. Se entendeu como não-monogâmica após um processo longo de autoconhecimento, onde algumas feridas do passado ainda a machucavam. Flávia está em um relacionamento com Hugo desde 2015, e quando se conheceram, ambos questionavam essa estrutura pré estabelecida entre casais, “Depois que nos conhecemos, foi maravilhoso, porque ele também questionava tudo o que eu também questionava, mas também foi com tempo e muito diálogo que fomos chegando a respostas pra não-monogamia política” contou.

A sociedade nos ensina a ser, vestir, falar tudo aquilo que considera correto e quando você não se enquadra nisso, de certa forma é excluída. Não foi diferente com Flávia. “O meu autoconhecimento com a vivência da não monogamia se desenvolveu como nunca, e se conhecer dói. Mas depois você vê o quanto que é recompensador saber os seus limites, entender a origens de sentimentos ruins e trabalhar isso consigo e com as pessoas que você se relaciona de uma maneira muito mais fluida”.

A multiartista se apaixonou por Kali e, em setembro de 2020 passa a morar com eles, compondo uma família, um tipo diferente e possível de amor. “Essa é a minha família, são pessoas que escolheram estar comigo pra construir o dia a dia e eu escolhi estar com eles (Hugo e Kali). Então, acho que a primeira coisa que as pessoas precisam pensar é: eu estou só fetichizando ou sexualizando essa relação? Porque se sim, as pessoas estão muito longe de entender o que é uma relação. Seja monogâmica ou não”.

Segundo Flávia, a monogamia deveria ser tratada como o que ela realmente é, ou seja, como estrutura social, “Não é sobre quantidade de pessoas, é sobre liberdades de escolhas individuais com perspectivas coletivas pensando em sociedade” enfatiza e complementa que “Amor é escolha. É liberdade trabalhada. É estar e ser. É diálogo. É troca. É história. É sentimento. É cheiro no cangotinho ou abraço bem dado no fim do dia”.


Um chamado ancestral para cura

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Jész e Aline (arquivo pessoal)

Jész Ipólito, 29, paulista mas mora a quatro anos em Salvador, graduanda em Gênero e Diversidade pela UFBA, idealizadora do blog \”Gorda e Sapatão\” e ativista na Articulação Nacional de Negras Jovens Feministas (ANJF) – núcleo Bahia. Aline é mestranda em Geografia na UFBA e se conheceram em um Congresso da própria Universidade. \”A gente trocou olhares no Congresso da UFBA em 2016, depois nos encontramos e conversamos mais na ocasião de um debate sobre gordofobia e racismo\”.

O racismo estrutural invisibiliza as vivências das mulheres negras, as deixando mais vulneráveis para diferentes formas de violência, sendo uma delas a negativa de afetos. A junção do marcador \”raça\” com o marcador \”peso\”, aprofunda as dinâmicas preterimento. \”Eu sempre vivenciei situações de preterimento. Ser gorda e negra nessa sociedade racista e gordofobica é viver a margem das possibilidades de afeto\”, conta Jész.

Mas encontrar amor em outra mulher negra e gorda é uma possibilidade político afetiva de viver dias melhores. \”Nossa relação tem representado um chamado ancestral para cura, olhar para si e reconhecer as fraquezas, as dores, as incertezas… E juntas nós temos nos transformado todos os dias. Através do diálogo muito aberto, direto e verdadeiro, dizendo sempre quando algo não está bem. É uma intimidade muito profunda conseguir falar aquilo que mais te assusta para outra pessoa, essa possibilidade só chega com a construção de uma relação baseada na insistência: é preciso dizer com todas as palavras para a outra pessoa “Eu estou aqui com você, quando quiser conversar eu estarei aqui”. E aí vai sedimentando o amor, a confiança, o respeito e outros elementos\”.

A ativista explica que o cotidiano do relacionamento é a melhor forma de se manter junto e superar alguns traumas e medos que o racismo e a gordofobia imprimem sobre suas vidas. \”A manutenção do nosso amor é todo dia, planejando nossos futuros, recalculando a rota quando for necessário, fazendo pequenos gestos de cuidado tipo fazer uma comida gostosa pra ela, ou simplesmente encher a garrafinha de água e deixar na mesa dela quando tem aula rolando. Enfim… cotidiano simples e afetivo nos pequenos detalhes\”.

Jész fala ainda sobre imaginar formas de aceitar o merecimento de afeto e viver ele plenamente. \”Quando a gente consegue estabelecer o autocuidado como premissa maior, as coisas acontecem sem que a gente perceba que estão acontecendo\” e conclui \”Se ame em primeiro lugar. Encontre sua luz, seu brilho! Defina suas metas e objetivos, trace sua rota para responder a pergunta “O que eu quero conquistar?”, e isso não é sobre trabalho, é sobre todos os aspectos da vida Confie em você, na sua energia, na sua fé!\”.

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Vivemos um tempo tão difícil, da conjuntura à pandemia da Covid-19, mas o amor tem fortalecido nos momentos mais improváveis. Talvez o amor seja isso, um levante revolucionário contra opressões, negacionismo, conservadorismo. Uma vontade política de mudar a perspectiva dominante. Como escreve bell hooks no texto “Tudo sobre o amor: Novas Perspectivas”:

“Para abrirmos nosso coração mais plenamente para o poder e a graça do amor, devemos ousar reconhecer quão pouco sabemos sobre ele na teoria e na prática. Devemos encarar a confusão e a decepção em relação ao fato de que muito do nos foi ensinado a respeito da natureza do amor não faz sentido quando aplicado à vida cotidiana. Observando a prática do amor no dia-a-dia, pensando em como amamos e no que é necessário para que nossa cultura se torne uma cultura em que a presença sagrada do amor possa ser sentida em todo lugar”.

bell hooks, \”Tudo sobre o amor: Novas Perspectivas\”, 2020 (página 42).

Agradecemos imensamente Tom, Gabi, Flávia e Jész por dividirem suas histórias. Apesar do Dia dos Namorados ser uma data comercial (e convenhamos um cadinho brega) acreditamos no poder de amar e mudar as coisas.


Texto de Karen Florindo e Tamyres Sbrile

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@flor_rindo nas redes, 24 anos, feminista. De São Bernardo tentando sobreviver ao caos da cidade de São Paulo. É graduada em Ciências Sociais, pós-graduanda em Política e Relações Internacionais e entusiasta dos estudos decoloniais. Trabalha com pesquisas de mapeamento socioeconômico e elaboração de políticas públicas. Uma das idealizadoras do Ciclo Mexerica (@ciclomexerica), Grupo de Estudos sobre Corporalidades Gordas, Afetos e Resistência, que surgiu após a primeira turma do curso #InsurgênciasGordas, como forma de construir laços e fomentar conhecimentos gordes.


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Tamyres é jornalista, criadora de conteúdo, escritora e ativista. Ela aos 23 anos começou em 2019 produzir conteúdo no @itstamyres falando sobre amor próprio, autoconhecimento e Gordofobia. Nascida e crescida em São João da Boa Vista, interior de São Paulo, encontrou na internet uma maneira de ressignificar e entender questões como sendo uma mulher gorda. Usa as palavras para expressar sentimentos e vivências que marcaram a história dela.

Lute como uma gorda é um blog criado pela Profa. Dra. Malu Jimenez, ativista e pesquisadora do corpo gordo. Aqui reunimos e potencializamos conteúdos sobre este tema, a fim de construir, conectar e formar pessoas que se interessem pela causa.

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Cursos e Livros para sua Jornada de conhecimento!

Este livro é resultado de sua pesquisa que teve origem em sua tese de doutorado, a qual propõe análises teóricas para investigar a estigmatização institucionalizada sob a qual os corpos gordos são colocados. Lute como uma gorda está disponível para venda e comprando por aqui você recebe uma dedicatória especial da autora