A escrita como Expansão e Possibilidade por Daniele Lemos

As palavras nos constituem. As palavras nos dão acesso ao mundo dos significados, nos permitem organizar, ordenar, classificar, tornar inteligível e racionalmente existente o já existido. Nos permitem dar sentido, nos permitem sentir. Paradoxal, no entanto, é perceber que ao mesmo tempo que as palavras me permitem dar sentido e sentir, elasas palavras- não são suficientes ao sentir. O sentir extrapola, incontrolável, indisciplinado e caótico. Elas- as palavras- me permitem sentir ao mesmo tempo que limitam o meu sentir. Elas- as palavras- dizem o que sou, quem sou, como sou. Elas- as palavras- dizem o que não sou, quem não sou, como não sou. Cartesianamente excludente. Impositivamente determinante. Identitariamente constituinte. Sou elas – as palavras- mas sou muito mais do que elas- as palavras. Usam – “mulher careca” – pra me descrever, pra me fazer existir. Passei a existir na ordem do que não deveria existir. Na ordem do patológico, na ordem do desvio, na ordem do anormal. As palavras que usam pra me fazer existir compõem uma amálgama de discursos que explicam o inexplicável. Ela- a mulher careca- não deveria ser assim. Se é mulher não deveria ser careca, se o é, não deveria ser. Mesmo sendo, mesmo existindo, as palavras usadas reafirmam que não deveria. Voltemos, as palavras que me fazem existir são as mesmas que dizem que eu não deveria. Ao menos não dessa forma. Vai lá- as palavras dizem. Não tem cura? Vai se curar! Quais são os tratamentos disponíveis? dizem também- Não é melhor se maquiar? Desenhar a sobrancelha? Passar um batom? Colocar um brincão? Dizem ainda: E se você usar perucas? E se aprender formas distintas de usar turbantes? E se usar um chapéu? Um gorro? – Você existe, mas não deveria! Ao menos, não assim, não desse jeito! Fui me compondo por essas palavras, fui existindo através delas. Mas hoje faço diferente! Brinco com elas- as palavras! Estico-as, confundo-as, desgasto-as. Crio novas- as palavras! Alargo o léxico, rompo a morfologia, reinvento a coerência, construo novos sentidos. Rasgo palavras, costuro significados. Então a resposta é: Não! Não vai ter tratamento, peruca, chapéu ou brincão. Vai ter confusão. De palavras e de sentidos. Se as palavras que me fizeram existir até aqui não me comportam, vou criar novas que me expandam!

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Poder transformar aquilo que te faz mal em algo criativo vem ao encontro de um trabalho do feminismo de aceitação e entendimento do próprio corpo, de muitas maneiras e buscas. Entender que as pessoas que te reprovam e não te aceitam são as que precisam de ajuda, pois se incomodam com algo e não sabem bem o porquê. “

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Este livro é resultado de sua pesquisa que teve origem em sua tese de doutorado, a qual propõe análises teóricas para investigar a estigmatização institucionalizada sob a qual os corpos gordos são colocados. Lute como uma gorda está disponível para venda e comprando por aqui você recebe uma dedicatória especial da autora