textos que escondo debaixo da cama: silenciamento forçoso


sinto que fiz 42 anos, mas faz tantos anos mais que persigo uma voz. o silêncio rasga a alma, numa dor que é também corpórea. cortes tão profundos que fazem a gastrite nervosa, a taquicardia, os tremeliques e os choros copiosos, serem nada. falar se tornou processo matemático. cada palavra é calculada. tudo precisa ser dito com verniz e intensidade medida, para que caiba na colher de café. nunca fui boa em matemática. as palavras me sufocam e não chego no resultado esperado da compreensão. sofro pelas dez palavras ditas, pelas trinta palavras pensadas e não ditas e, sofro pelas incontáveis vezes que não consegui se quer achar palavras que traduzissem essa angústia. angústia que agora pesa mais que meu próprio corpo. a ânsia por me fazer compreendida é tamanha, que das dez palavras ditas, oito são “desculpa”, ação preventiva de falhas na comunicação. e quantas coisas cabem nesses pedidos de desculpa. culpa é o meu quebranto. me apequena com o peso da existência que ainda não consigo gritar que existe. equilibrada no fio da vida, entre as tentativas suicidas de emagrecer ou morrer pesada das ausências. tento uma redenção verbal, que se dá entre uma não-voz e o silêncio. já que a redenção física não tenho certeza se estou disposta a fazer. não quero abdicar desse corpo que lutou exaustivamente e venceu tantas batalhas, ainda que firmando súplicas para Jorge. do que adianta a compreensão do meu “lugar de fala” e meus tantos marcadores? em cena, me pego reproduzindo o silenciamento forçoso. improviso, por instinto, um motivo menos impactante que me faça fracassar em uma lágrima cômoda. sou revolução sem prática revolucionária. não aguento mais essas acomodações provisórias. “despreparada para a honra de viver” me calo, engulo torto e te ouço, em tons de humilhação, me explicando que sabe o tamanho da minha dor.


Texto de Karen Florindo

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@flor_rindo nas redes, 24 anos, feminista, ativista gorda, palmeirense e pisciana. De São Bernardo tentando sobreviver ao caos da cidade de São Paulo. É graduada em Ciências Sociais, pós-graduanda em Política e Relações Internacionais e entusiasta dos estudos decoloniais. Trabalha com pesquisas de mapeamento socioeconômico e elaboração de políticas públicas. Uma das idealizadoras do Ciclo Mexerica (@ciclomexerica), Grupo de Estudos sobre Corporalidades Gordes, Afetos e Resistência, que surgiu após a primeira turma do curso #InsurgênciasGordas, como forma de construir laços e fomentar conhecimentos gordes.

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Poder transformar aquilo que te faz mal em algo criativo vem ao encontro de um trabalho do feminismo de aceitação e entendimento do próprio corpo, de muitas maneiras e buscas. Entender que as pessoas que te reprovam e não te aceitam são as que precisam de ajuda, pois se incomodam com algo e não sabem bem o porquê. “

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Este livro é resultado de sua pesquisa que teve origem em sua tese de doutorado, a qual propõe análises teóricas para investigar a estigmatização institucionalizada sob a qual os corpos gordos são colocados. Lute como uma gorda está disponível para venda e comprando por aqui você recebe uma dedicatória especial da autora